8.12.09

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Causas e Consequências

Questão de carácter

Com o país à beira do abismo, a classe política tem gasto o seu tempo a debater os telefonemas do primeiro-ministro.

Com o país à beira do abismo, a classe política tem gasto o melhor do seu tempo a debater não tanto o processo Face Oculta mas principalmente as já célebres conversas entre José Sócrates e Armando Vara. Num crescendo de apreciáveis contornos, os casos sucedem-se a um ritmo alucinante. Do emaranhado jurídico, onde florescem teses para todos os gostos e feitios, saltou-se, com inegável prejuízo, para o campo minado da política. Só na última semana, o ministro Vieira da Silva insistiu na "espionagem política", pondo alegremente em causa toda a investigação judicial; o vice-presidente da bancada socialista, a nova estrela cadente do partido, acusou Manuela Ferreira Leite de ter tido conhecimento antecipado das escutas que lhe terão sido, presume-se, generosamente enviadas pelos famigerados procuradores de Aveiro; esta, por sua vez, decretou – baseada em factos desconhecidos – que o primeiro-ministro se encontrava "sob suspeita"; e, para terminar em beleza, defendeu, mais uma vez, a publicação das escutas que envolvem José Sócrates e Armando Vara.
O mal, como se vê, está bem distribuído pelas aldeias. Se o PS, para grande escândalo da oposição, põe em causa a independência dos investigadores de Aveiro, o PSD, para grande escândalo dos socialistas, põe em causa a independência do procurador-geral da República e do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que consideraram nulas e irrelevantes as conversas que a drª Ferreira Leite quer irresponsavelmente ver expostas na praça pública. E quando o dr. Aguiar Branco, do alto da sua sabedoria, defende que qualquer político se deve sujeitar à devassa pública das suas conversas privadas percebe-se até que ponto o delírio atingiu o PSD.
No meio de tudo isto, entre insultos torpes e acusações que põem em causa o Estado de Direito, o debate escorregou inevitavelmente para o carácter do eng. Sócrates: aparentemente, a sucessão de casos em que se tem visto envolvido e as características peculiares do seu círculo de amigos, não abonando a seu favor, permitem algumas deduções desagradáveis sobre a sua conduta moral. É verdade que o dr. Assis, numa das suas assíduas aparições, já tinha alertado, com a devida estridência, para um improvável "assassinato de carácter" do primeiro-ministro. Na altura, quando se discutia o envolvimento do eng. Sócrates no processo Face Oculta, a tese tinha o valor de uma atoarda mas, no momento em que se salta da crítica política para análises moralistas sobre o carácter do primeiro-ministro, a atoarda do dr. Assis não deixa de ganhar outra dimensão. É que julgar o carácter dos outros é também uma questão de carácter.



Constança Cunha e Sá, Jornalista

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