24.2.12


Uma democracia doente


Que, após anos de alternância entre o PS e o PSD (ou PSD/ CDS), sem que a alternância governativa tenha significado alternância de políticas económicas, a democracia portuguesa foi conduzida a um beco aparentemente sem saída, já se sabia; que a tutela absoluta da "troika" sobre essas políticas e sobre a acção dos partidos do chamado "arco da governação" afunilou ainda mais qualquer hipótese de saída de tal situação no actual quadro político, também já se sabia; não se sabia era que os desesperançados eleitores portugueses tivessem plena consciência de tudo isso, embora fosse possível suspeitá-lo pelo crescimento galopante dos números da abstenção (bastará dizer que, tendo em conta a abstenção e os votos brancos e nulos, o PSD alcançou o Governo representando pouco mais de 20% dos portugueses).
A sondagem agora realizada pela Universidade Católica para a RTP comprova o pior: quase dois terços (62%) dos eleitores consideram mau ou muito mau o desempenho do Governo em funções, mas três quartos (73%), olhando em volta para as alternativas viáveis - que é como quem diz para o PS - não vê que valha a pena mudar de Governo por um outro que, com mais ou menos leis do aborto ou do casamento homossexual, faça exactamente a mesma coisa.
Quando os eleitores concluem que tanto dá votar como não votar porque o resultado será o mesmo, a democracia está gravemente doente e madura para qualquer aventura populista

19.2.12

Estado

‘Saco azul’ paga a ministros

Ministros ganham fortunas com cartões de crédito
Por:António Sérgio Azenha
Os ministros e secretários de Estado do Governo de José Sócrates pagaram despesas com cartões de crédito e verbas do fundo de maneio dos gabinetes, sem que haja rasto do dinheiro nos orçamentos dos seus ministérios. Na prática, como já deixou claro o Tribunal de Contas, o cartão de crédito funciona como um suplemento remuneratório. A ex-ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, e o ex-ministro da Justiça, Alberto Martins, tinham cartões de crédito com um plafond mensal de cinco mil e quatro mil euros, respectivamente. Com o salário, despesas de representação e regalias como cartão de crédito, fundo de maneio e telemóvel, a remuneração de um ministro rondava os 10 mil euros mensais.
O segredo em torno da utilização dos cartões de crédito tem sido uma constante em todos os governos: não só nunca se assumiu que os ministros e secretários de Estado utilizavam esses cartões, como nunca se esclareceu de onde vinham as verbas para essas despesas.
No orçamento dos gabinetes dos membros do Governo não há referência a gastos com cartões de crédito ou dinheiro de fundo de maneio. E o Tribunal de Contas disse, em auditoria aos gabinetes ministeriais de 2007, que "não existe um quadro legal que regulamente a sua [cartões de crédito e telemóvel] atribuição".
A Secretaria de Estado da Cultura, única que respondeu às perguntas do CM, assume que Gabriela Canavilhas e Elísio Summavielle tinham cartão de crédito, com um plafond de cinco mil euros e quatro mil euros. E diz que esses gastos eram pagos com verbas provenientes das rubricas "despesas de representação e prémios, condecorações e ofertas".
O Tribunal de Contas deixou claro que a "ausência de fixação de regras na atribuição destes benefícios dá lugar à discricionariedade na sua utilização".
JUÍZES PONDERAM PROCESSO-CRIME 
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) admite avançar com um processo-crime contra os ministérios que não entregarem os documentos relativos às despesas com cartões de crédito, telefones fixos e móveis, entre outros, por membros do Governo de José Sócrates. Segundo António Martins, presidente da ASJP, apenas o Ministério da Justiça entregou toda a informação completa.
O presidente da ASJP é categórico: "Em relação aos ministérios que não entregarem a documentação, admitimos avançar com uma queixa-crime por incumprimento da decisão do tribunal". E remata: "O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo é muito claro".
António Martins deixa claro que os ministérios que não entregarem os documentos "incorrem em responsabilidade civil, disciplinar ou criminal". Para o presidente da ASJP, "infelizmente, o Estado desrespeita o próprio Estado".
António Martins revela que, até agora, "o Ministério da Justiça foi o único que transmitiu [à ASJP] toda a informação de forma clara e transparente, sem nada a esconder". Já "os outros ministérios enviaram alguma informação", mas o "Ministério das Finanças não enviou nada".
SUPREMO ATACA ARGUMENTOS DAS FINANÇAS 
O Tribunal de Contas revelou, na auditoria realizada aos gabinetes ministeriais em 2007, que o Governo aprovou, em 19 de Abril de 2002, uma deliberação com "vista a disciplinar minimamente a atribuição" de cartões de crédito, telefones móveis e fixos e outros benefícios. Só que esta deliberação, a nº 2-DB/2002, "não chegou, porém, a ser publicada".
Com esta medida, da autoria do Governo de José Manuel Durão Barroso, "pretendia-se identificar e limitar a atribuição dos benefícios suplementares (por cargo ou função)" aos governantes.