4.7.09
934
3.7.09
2.7.09
1.7.09
923
921
920
Afinal, que quer o PS?
Não é de estranhar que uma sondagem recente atribua "empate técnico" ao PS e ao PSD, nas legislativas. A prática governamental, nestes últimos anos, é um empreendimento de confronto com sectores sociais decisivos, e uma construção de poder (direi pessoal) que repousa em imprevisíveis decisões individuais. O modelo não se rege por princípios; obedece a reflexos. Chamado de "reformas", foi elogiado pelas faixas mais retrógradas da nossa sociedade. E a sociedade está em fanicos.
Notoriamente, o orgulho de Sócrates foi amolgado com a derrota nas "europeias". Até hoje engole em seco, mas continua a combinar os mesmos elementos modulares que têm feito a sua perdição. Parece que não consegue definir o corpo social português e delimitar as fronteiras entre as classes. Sabe-se que nada tem a ver com "socialismo" como instância histórica, ideológica e ética. Também se sabe que conseguiu domesticar aqueles dos seus camaradas que, tenuemente embora, ainda agitavam as bandeiras de uma específica identidade política. A derrocada de 7 de Junho alarga-se em vergonhosas cumplicidades. Nenhum "socialista" se rebelou. Talvez porque já não haja socialistas. Talvez porque o socialismo nunca existiu. Talvez. Uma única certeza: José Sócrates nunca foi socialista.
Ele próprio dá vivo testemunho dessa evidência. Há dias resolveu convidar um grupo de pessoas para o ajudar a reflectir sobre o País, e procurar as soluções adequadas. Os vigorosos pensadores não eram gente de Esquerda, ou afins. Nada disso. T'arrenego, Satanás! Alguns pertenciam àquele agrupamento de estilistas conhecido pelo Compromisso Portugal. A notícia correu fértil. Logo a seguir, o dr. Carrapatoso, corrigindo o que semelhava ser a natureza dos signos, veio afobadamente dizer que nada tinha a ver com os desígnios da amena reunião. Uma selecta jantarada, de duvidosa eficácia.
Cada vez mais desarvorado com os sucessivos dislates, José Sócrates decidiu, agora, consultar os "magos" que ajudaram Barack Obama a conquistar o poder. Uma mistura de marquetingue e de Alvin Tofler. E, embora um técnico português de publicidade, altamente qualificado, tenha dito que não há nenhum génio que consiga, hoje, vender fruta bichada, Sócrates não abdicou de escutar os americanos. Atingimos a era do desequilíbrio e da alucinação. O Estado é entendido como uma empresa, não como a configuração de um corpo político, social e administrativo.
Afinal, que deseja de nós o secretário-geral do PS? Ambiciona os votos de quem? Enquanto esta espessa mediocridade sem alma e sem valores campeia infrene, que nos espera? Manuela Ferreira Leite? Dá que pensar.
30.6.09
916
(Ofensa do crédito ou do bom nome)
Difamação
Extensão dos efeitos da queixa
Extinção do direito de queixa
Renúncia e desistência da queixa
915
914
Vereadores revoltados com processo-crime
HUGO SILVA
A administradora da empresa municipal Matosinhos Habit apresentou uma queixa-crime contra os três vereadores do PSD na Autarquia, por causa de um comunicado emitido pelo núcleo matosinhense do partido.
Dois autarcas (Nélson Cardoso e Daniel Fangueiro) foram constituídos arguidos - estão com termo de identidade e residência- e João Sá só não está na mesma condição porque ainda não foi ouvido no Ministério Público. Em causa está um comunicado do Núcleo de Matosinhos do PSD, em que a administradora, Olga Maia, é acusada de ter facultado dados confidenciais dos moradores de bairros municipais ao anterior presidente da Autarquia, Narciso Miranda, para que este pudesse enviar uma mensagem de Natal aos munícipes.
O processo, por difamação, já foi interposto em Dezembro do ano passado, mas dominou a reunião de Câmara pública realizada ontem à tarde. Os vereadores do PSD, que só recentemente foram chamados ao Ministério Público, reiteraram que nada têm a ver com o comunicado, assinado por Joaquim Pinto Lobão, líder do núcleo de Matosinhos dos sociais-democratas. Revoltados, criticaram a conduta da administradora.
A discussão foi acalorada. Guilherme Pinto, presidente da Câmara, acabou por reconhecer que foi ele quem deu instruções para que se avançasse com o processo, embora num primeiro momento tenha dito que a acção judicial contra os vereadores foi um erro, porque nada tinham a ver com o comunicado em causa.
O autarca socialista afirmou que, a seu pedido, o processo já foi retirado, mas salvaguardou que a Câmara avançará com outra acção judicial contra os efectivos responsáveis pelo comunicado. A proposta deverá ser levada à reunião extraordinária que será marcada para discutir o assunto. A sessão já tinha sido pedida pelos vereadores do PSD.
Honório Novo (CDU) sustenta que a administradora da empresa municipal de habitação deve ser demitida pela Autarquia.
-crime, entretanto retirado
"A referida queixa é apresentada de forma totalmente capciosa. Isto não é desculpável como um acto inconsciente, é um acto deliberado para envolver os vereadores do PSD num processo-crime. É um absurdo e uma maquinação montada para atingir as pessoas do PSD mais conhecidas no município", acusou o vereador social-democrata Nélson Cardoso, irritado por ter sido constituído arguido com termo de identidade e residência, a mesma situação em que se encontra o colega Daniel Fangueiro.
Em causa está um comunicado, assinado por Pinto Lobão, presidente do núcleo de Matosinhos do PSD. O documento, de 22 de Dezembro último, menciona a existência de suspeitas de que Olga Maia, administradora da empresa municipal Matosinhos Habit, terá cedido dados confidenciais. Em concreto, listas de funcionários que terão servido para o actual candidato independente à presidência da Câmara de Matosinhos, Narciso Miranda, enviar postais de Natal. Face a esta suspeita, o comunicado de Pinto Lobão pedia a demissão de Olga Maia. A administrada da Matosinhos Habit avançou com um processo-crime logo no dia 24 de Dezembro, mas, em vez de acusar Pinto Lobão, imputou a ilicitude aos vereadores do PSD. No meio da forte discussão entre a oposição e o presidente da câmara, tanto o vereador da CDU, Honório Novo, como João Sá (PSD) pediram a demissão de Olga Maia, algo a que Guilherme Pinto não respondeu.
Porém, o presidente da Câmara de Matosinhos desvendou a origem do processo: "A senhora administradora tinha a obrigação de intentar uma acção. Aliás, fui eu que dei instruções para ela a intentar. O erro, a ter sido cometido, foi cometido por imprudência." Guilherme Pinto acrescentou também que o processo não irá avançar. "A senhora administradora, a meu pedido, já retirou a queixa." No entanto, prevêem-se novos desenvolvimentos, uma vez que o autarca anunciou que a câmara "vai instituir uma acção por ofensa ao bom-nome" a Pinto Lobão.
29.6.09
912
910
Os tontinhos
No estrondo da última trapalhada em que José Sócrates se meteu quando tentou comprar do noticiário de 6.ª Feira da TVI, quase que passa despercebido um dos mais repelentes episódios da nossa vida pública. Foi patético o espectáculo de tontaria dos líderes dos maiores partidos, lado a lado, a aplaudirem-se mutuamente pela escolha do novo Provedor de Justiça. Pelo caminho tinha sido desrespeitada, por todos, uma das mais admiráveis figuras da nossa democracia. O professor Jorge Miranda é um português notável. O que se passou com ele é a demonstração de que na política portuguesa já nada se respeita nem se defende. Tudo se utiliza e descarta.
Jorge Miranda tem perfil para qualquer cargo na República. Tem zelado pela nossa Constituição, não deixando que experimentalismos grosseiros à Esquerda a desfigurem e defendendo garantismos essenciais da nossa liberdade de assaltos da Direita. Posso atestar pela sua independência e coragem. Em 1987, foi Jorge Miranda quem mais afrontou o primeiro-ministro Cavaco Silva quando o PSD quis levantar a imunidade parlamentar à deputada independente da bancada socialista Helena Roseta para lhe mover um processo. Roseta denunciara irregularidades na utilização de verbas do jogo do Estoril que podiam envolver entidades da social-democracia. Cavaco Silva instruiu o seu secretário de Estado da Presidência, Luís Marques Mendes, para arrebanhar suficientes vozes que ululassem ultraje pelas sacrílegas dúvidas de Helena Roseta e forçassem o levantamento da imunidade parlamentar da Deputada.
O primeiro-ministro Cavaco Silva queria um auto-de-fé que desencorajasse futuros atrevimentos porque, como me disse o secretário de Estado Marques Mendes num Jornal das Nove que conduzi na RTP 2, quando as intenções da bancada social-democrata foram conhecidas: "Quem não se sente não é filho de boa gente".
Insisti que este levantamento de uma imunidade constitucionalmente garantida para processar a deputada feria liberdades parlamentares essenciais. Marques Mendes repetiu litanias do "direito ao bom-nome" e do "agravo" que estava a ser feito à equipa de Cavaco Silva.
Eu não sou constitucionalista. Jorge Miranda é o melhor que temos. Convidei-o para vir ao Jornal das Nove a seguir a Marques Mendes. Foi de tal modo intenso o seu depoimento que também não o esqueci. Disse que não podia acreditar que no Portugal democrático alguém quisesse alterar uma base tão essencial como era o direito à liberdade de expressão dos deputados. Sem essa liberdade não havia democracia. Coarctando-a ruiria o edifício democrático, disse ele.
Querer limitá-la, como Cavaco Silva pretendia, seria antidemocrático. O processo a Helena Roseta não foi para a frente. O incidente está documentado nos registos parlamentares da altura. 22 anos depois de ter defendido sem medos as garantias democráticas, Jorge Miranda sucumbe à profunda mediocridade do ambiente político que se instalou em Portugal a todos os níveis. Com o seu perfil ideal de garante e guardião dos valores constitucionais, é imperdoável que não tenha sido ele o escolhido. Ficou à mostra uma terrível chaga do nosso regime. A lei do mais forte, do mais bruto, do mais bárbaro oportunismo e do mais despudorado calculismo, vingou em Portugal.
28.6.09
909
Alexandre O'Neil
PAÍS RELATIVO
País por conhecer, por escrever, por ler...
*
País purista a prosear bonito,
a versejar tão chique e tão pudico,
enquanto a língua portuguesa se vai rindo,
galhofeira, comigo.
*
País que me pede livros andejantes
com o dedo, hirto, a correr as estantes.
*
País engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.
*
País onde qualquer palerma diz,
a afastar do busílis o nariz:
-Não, não é para mim este país!
mas quem é que bàquestica sem lavar
o sovaco que lhe dá o ar?
*
Entrecheiram-se, hostis, os mil narizes
que há neste país.
*
País do cibinho mastigado
devagarinho.
*
País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.
*
O incrível país da minha tia,
trémulo de bondade e de aletria.
*
Moroso país da surda cólera,
de repente que se quer feliz.
*
Já sabemos, país, que és um homenzinho...
*
País tunante que diz que passa a vida
a meter entre parêntesis a cedilha.
*
A damisela passeia
no país da alcateia,
tão exterior a si mesma
que não é senão a fome
com que este país a come.
*
País do eufemismo, à morte dia a dia
pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
*
País dos gigantones que passeiam
a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço
do gesto e do chavão.
E ainda há quem os ouça, quem os leia,
lhes agradeça a fontanária ideia!
*
Corre boleada, pelo azul,
a frota de nuvens do país.
*
País desconfiado a reolhar para cima
dum ombro que, com razão duvida.
*
Este país que viaja a meu lado,
vai transido mas transistorizado.
*
Nhurro país que nunca se desdiz.
*
Cedilhado o cê, país, não te revejas
na cedilha, que a palavra urge.
*
Este país, enquanto se alivia,
manda-nos à mãe, à irmã, à tia,
a nós e à tirania,
sem perder tempo nem caligrafia.
*
Nesta mosquitomaquia
que é a vida,
ó país,
que parece comprida!
*
A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
já perde a paciência à nossa cabeceira.
*
País pobrete e nada alegrete,
baú fechado com um aloquete,
que entre dois sudários não contém senão
a triste maçã do coração.
*
Que Santa Sulipanta nos conforte
na má vida, país, na boa morte!
*
País das troncas e delongas ao telefone
com mil cavilhas para cada nome.
*
De ramona, país, que de viagens
tens, tão contrafeito...
*
Embezerra, país, que bem mereces,
prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
*
Desaninhada a perdiz,
não a discutas, país!
Espirra-lhe a morte pra cima
com os dois canos do nariz!
*
Um país maluco de andorinhas
tesourando as nossas cabecinhas
de enfermiços meninos, roda-viva
em que entrássemos de corpo e alegria!
*
Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,
já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
*
No sumapau seboso da terceira,
contigo viajei, ó país por lavar,
aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
a conversa pancrácia e o jeito alvar.
Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;
entornado de sono, resvalaste para mim.
Mas também me ofereceste a cordial botelha,
empinada que foi, tal e qual clarim!
(Feira Cabisbaixa – 1965)