28.6.09

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Alexandre O'Neil


PAÍS RELATIVO


País por conhecer, por escrever, por ler...


*


País purista a prosear bonito,

a versejar tão chique e tão pudico,

enquanto a língua portuguesa se vai rindo,

galhofeira, comigo.


*


País que me pede livros andejantes

com o dedo, hirto, a correr as estantes.


*


País engravatado todo o ano

e a assoar-se na gravata por engano.


*


País onde qualquer palerma diz,

a afastar do busílis o nariz:

-Não, não é para mim este país!

mas quem é que bàquestica sem lavar

o sovaco que lhe dá o ar?


*


Entrecheiram-se, hostis, os mil narizes

que há neste país.


*


País do cibinho mastigado

devagarinho.


*


País amador do rapapé,

do meter butes e do parlapié,

que se espaneja, cobertas as miúdas,

e as desleixa quando já ventrudas.


*


O incrível país da minha tia,

trémulo de bondade e de aletria.


*


Moroso país da surda cólera,

de repente que se quer feliz.


*


Já sabemos, país, que és um homenzinho...


*


País tunante que diz que passa a vida

a meter entre parêntesis a cedilha.


*


A damisela passeia

no país da alcateia,

tão exterior a si mesma

que não é senão a fome

com que este país a come.


*


País do eufemismo, à morte dia a dia

pergunta mesureiro: - Como vai a vida?


*


País dos gigantones que passeiam

a importância e o papelão,

inaugurando esguichos no engonço

do gesto e do chavão.

E ainda há quem os ouça, quem os leia,

lhes agradeça a fontanária ideia!


*


Corre boleada, pelo azul,

a frota de nuvens do país.


*


País desconfiado a reolhar para cima

dum ombro que, com razão duvida.


*


Este país que viaja a meu lado,

vai transido mas transistorizado.


*


Nhurro país que nunca se desdiz.


*


Cedilhado o cê, país, não te revejas

na cedilha, que a palavra urge.


*


Este país, enquanto se alivia,

manda-nos à mãe, à irmã, à tia,

a nós e à tirania,

sem perder tempo nem caligrafia.


*


Nesta mosquitomaquia

que é a vida,

ó país,

que parece comprida!


*


A Santa Paciência, país, a tua padroeira,

já perde a paciência à nossa cabeceira.


*


País pobrete e nada alegrete,

baú fechado com um aloquete,

que entre dois sudários não contém senão

a triste maçã do coração.


*


Que Santa Sulipanta nos conforte

na má vida, país, na boa morte!


*


País das troncas e delongas ao telefone

com mil cavilhas para cada nome.


*


De ramona, país, que de viagens

tens, tão contrafeito...


*


Embezerra, país, que bem mereces,

prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.


*


Desaninhada a perdiz,

não a discutas, país!

Espirra-lhe a morte pra cima

com os dois canos do nariz!


*


Um país maluco de andorinhas

tesourando as nossas cabecinhas

de enfermiços meninos, roda-viva

em que entrássemos de corpo e alegria!


*


Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro

e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.

Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,

já o passo a meu filho, cansado de o olhar...


*


No sumapau seboso da terceira,

contigo viajei, ó país por lavar,

aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,

a conversa pancrácia e o jeito alvar.

Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;

entornado de sono, resvalaste para mim.

Mas também me ofereceste a cordial botelha,

empinada que foi, tal e qual clarim!


(Feira Cabisbaixa – 1965)

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