16.10.06

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M. P.

Quem continua a ter amigos no M. P. não morre na cadeia.

Vá lá que desta vez não foi em Matosinhos ( o despacho de arquivamento)

MP considerou prescritas ou amnistiadas eventuais infracções ao PER de Matosinhos

Arquivamento silencioso

O Ministério Público arquivou o processo de auditoria aos programas habitacionais da Câmara de Matosinhos. A decisão tem seis meses, mas não houve reacções de nenhum dos partidos representados no executivo.

Paulo Almeida

O Ministério Público mandou arquivar as eventuais infracções financeiras detectadas pelo Tribunal de Contas, numa auditoria de 2002 aos programas Especiais de Realojamento (PER) da Câmara de Matosinhos.
A decisão do ministério refere-se às conclusões do relatório da auditoria, concluído em Junho de 2004, que apontava diversas irregularidades efectuadas na construção de empreendimentos e aquisições de habitações em programas para erradicação de barracas. Esses programas de realojamento, criados entre os governos de Cavaco Silva e António Guterres, para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, eram favoráveis às autarquias, que enquanto executantes podiam contratar empréstimos bancários com juros bonificados, em alguns casos a “fundo perdido”, em acordos com o INH e IGAPHE. O objectivo era a construção ou aquisição de casas para famílias que viviam em situações de carência. Vários municípios do Grande Porto, como Matosinhos, acordaram com o Estado a construção ou aquisição de milhares de habitações desde o início dos programas, em 1989, até às últimas modificações legislativas, em 2001. Em Matosinhos, os contratos com a Administração Central, nos anos 1990, previam a construção/aquisição de 3982 fogos.
Tanto num como noutro município não foram integralmente construídos. É difícil apontar valores para os montantes envolvidos em operações que se estendem ao longo de anos, já que os números estão dispersos por vários documentos, mas é possível afirmar que ambos os municípios tiveram acesso a centenas de milhões de euros através dos programas habitacionais.

Ninguém faz milagres
No caso do município de Matosinhos chegou ao fim – em Março deste ano – um extenso processo de análise a empreitadas e demais contratos que teve início em Março de 2002 e culminou com o despacho final do ministério, que dita o arquivamento de todos os autos. O procurador Jorge Leal, do Ministério Público junto do Tribunal de Contas, que assina o despacho de arquivamento, afirmou ao JANEIRO, em Setembro, que quando as auditorias foram realizadas já haviam decorrido praticamente dez anos desde o início dos programas habitacionais. “Milagres ninguém pode fazer”, resumiu.
Ficam assim arquivadas uma série de eventuais infracções financeiras, susceptíveis de carácter sancionatório, apontadas à Câmara de Matosinhos. Talvez a mais gritante seja a contratação de um empréstimo pela autarquia de um valor superior a 785 mil euros, em Maio de 2000, para aplicar no Conjunto Habitacional de Cruz de Pau, que “já estaria executado, física e financeiramente, em 15 de Abril de 1999”. Considerou o magistrado que esse desvio de financiamento prescrevera 20 dias antes da assinatura do despacho final, 28 de Março de 2006.
Relativamente a outro empréstimo que podia configurar desvio de financiamento – obtenção de 486 mil euros para a construção de empreendimentos, cujos custos foram inferiores, a conclusão foi semelhante: amnistia ou prescrição.
A decisão de arquivamento, que tem agora seis meses, foi comunicada aos executivos abrangidos pela auditoria de 2002, mas não mereceu atenção nem pelos partidos representados – PS, PSD e PCP –, nem pelos vereadores envolvidos, entre eles o actual presidente de câmara, Guilherme Pinto. O autarca que presidiu a Câmara de Matosinhos nos dois anteriores mandatos, José Narciso Miranda, também não quis falar sobre o despacho final do Ministério Público, apenas disse que não comentava “actos de gestão do passado” e remeteu a sua opinião “para aquilo que disse na altura própria; como se prova, tinha razão e a verdade vem sempre ao de cima”.