JUSTIÇA
'Negócio ruinoso' no Campus do Porto
por LICÍNIO LIMA
Juízes criticam o negócio da cidade judiciária e Sindicato dos Oficiais de Justiça fala em eventual gestão danosa
A construção do Campus da Justiça do Porto, cuja primeira pedra foi lançada há um ano, sem que nenhuma outra se lhe tenha sido ainda acrescentada, configura "uma situação de aparente gestão danosa", defendeu ontem, em declarações ao DN, o Sindicato dos Oficiais de Justiça. Os juízes dizem que se trata de um negócio "ruinoso" para o Estado. Os partidos da oposição garantem que vão questionar o ministro Alberto Martins.
A questão foi suscitada ontem pelo DN revelando que a primeira pedra do Campus da Justiça do Porto foi lançada há um ano pelo então ministro da tutela Alberto Costa sem que houvesse sequer um parecer da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças a garantir o cabimento do negócio. Parecer esse que continua sem existir. Pelo que o Campus permanece sem outra pedra além daquela que em cerimónia realizada a 31 de Agosto, a menos de um mês das eleições legislativas, foi lançada com pompa e circunstância.
Nessa altura, porém, o Ministério da Justiça (MJ) já tinha lançado o concurso para a construção do campus. O vencedor havia sido o consórcio liderado pela OPWAY, presidida por Filipe Soares Franco, do qual faz também parte a Efacec e a FDO. Quando foi lançada a primeira pedra não havia ainda contrato assinado entre o MJ e o consórcio por não haver o parecer das finanças. Mas, no seguimento do concurso, havia uma intenção de adjudicação, aquilo a que os ingleses chamam de Memorandum of Understanding.
Nesse memorandum estabelecia-se que o Estado cedia os terrenos (cerca de cinco hectares), a OPWAY construía os edifícios, investindo cerca de 114 milhões de euros, e depois arrendava esses mesmos edifícios ao MJ durante 30 anos, por um valor mensal de 643 mil euros. Findo esse período, todos os imóveis , incluindo os terrenos, reverteriam para o consórcio. Estando em questão um contrato de arrendamento, interessava sobretudo o valor da renda que a OPWAY se propusera receber, estando estabelecido que o prazo da proposta tinha o prazo de 90 dias a contar da data do início do acto público do concurso. A entidade com capacidade jurídica para fazer o negócio, neste caso, era o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça (IGFIJ).
Depois das eleições, em Outubro, o novo ministro da Justiça, Alberto Martins, demitiu a administração do IGFIJ. A nova direcção só tomou posse a 18 de Dezembro. Entretanto, as conversações entre o MJ e a OPWAY estiveram paradas. Em Janeiro, quando alguém se lembrou novamente do Campus da Justiça do Porto, o consórcio fez saber que haviam passado já 90 dias sobre o prazo da proposta e que, entretanto, as condições dos mercados financeiros estavam alterados. Pelo que considerou desactualizados os 643 mil euros de renda mensais combinados, e propôs a alteração das condições estipuladas no concurso (ver texto secundário). O MJ aceitou renegociar o valor da renda. Neste momento, a decisão está nas mãos do Ministério das Finanças.
Para o Sindicato dos Oficiais de Justiça este modo de actuação, por parte do MJ, configura uma situação de gestão danosa. A Associação de Juízes diz-se indignada, e os partidos da oposição exigem explicações
Filipe Soares Franco não trava nem exige
Hoje
Reagindo à notícia do DN com o título "Soares Franco trava Campus da Justiça do Porto", o empresário salientou ao DN que "nenhuma empresa portuguesa tem capacidade para travar os negócios do Estado, nem para exigir seja o que for". O presidente da OPWAY - empresa que lidera o consórcio que ganhou o concurso para erguer o campus - explicou. "O que dissemos ao Estado foi: com esta renda (643 mil euros mensais previstos no concurso), tal e qual como ficaram as condições financeiras, não é possível sustentar o contrato final. Ou seja, temos de rever as condições financeiras de acordo com os bancos que vão dar o financiamento. Não exigi nada, nem travei nada." Ainda segundo Soares Franco, o diálogo com o Estado esteve parado durante meses por faltar uma administração no instituto de gestão financeira e de infra-estruturas da Justiça.