Os dois amos de Arlequim
"A fim de melhorar a competitividade dos custos da mão-de-obra, os salários do sector privado deverão seguir o exemplo do sector público e aplicar reduções sustentadas", escrevem os senhores (nunca a palavra "senhores" foi tão apropriada) do FMI, BCE e CE no comunicado em que apresentam os resultados da recente vistoria à sua quinta à beira-mar plantada e avalizam as contas prestadas pelos feitores. E como os seus desejos são ordens, não tardará muito até que os ministros Álvaro e Vítor Gaspar apareçam nas TVs a anunciar outra "inevitabilidade": a redução de salários também no sector privado.
Parece, contudo, haver um problema: é que, diz a CIP, os patrões portugueses preferem, em vez de pagar menos aos trabalhadores, aumentar-lhes o horário de trabalho (a coisa vai dar ao mesmo mas afigurar-se-á aos patrões que trabalhar mais não dói tanto como receber menos; só resta saber se o Governo decretará que os dias passem a ter 30, 40 ou 48 horas).
Adivinha-se assim uma situação típica da "commedia dell'arte" (embora, no caso, se deva falar antes de "tragedia dell'arte"), com Arlequim a correr desalmadamente de uma mesa para outra para tentar servir ao mesmo tempo o almoço aos seus dois amos.
Na peça de Goldoni, tudo acaba em bem. Na de Passos Coelho, patronato e "funcionários de 5ª, 6ª, 7ª ou 8ª linha" (presidente do BPI "dixit") dos "mercados" só uma coisa é, para já, certa: quem pagará o espectáculo.