11:46 (JPP)
COISAS DA SÁBADO: O REFERENDO
1. SOBRE O PERIGO DE LEVAR OS BURROS A DECIDIR SOBRE COISAS IMPORTANTES
COISAS DA SÁBADO: O REFERENDO
1. SOBRE O PERIGO DE LEVAR OS BURROS A DECIDIR SOBRE COISAS IMPORTANTES
Há dois argumentos dos opositores do referendo, ambos ditos sottovoce, que revelam bem o estado da política europeia dos nossos dias: um, é que é um “perigo” levar o tratado a referendo porque pode ser recusado; outro, é que a populaça é burra, logo não pode alcançar as primícias do pensamento e as complexidades do articulado, para decidir como deve, ou seja dizer “sim”. Vital Moreira resolveu por em letra de forma o argumento da nossa colectiva burrice no seu blogue Causa Nossa:
“Os que defendem o referendo sobre o Tratado de Lisboa já experimentaram lê-lo? E acham que algum cidadão comum consegue passar da segunda página? Não será tempo de deixar de brincar aos referendos?”
“Os que defendem o referendo sobre o Tratado de Lisboa já experimentaram lê-lo? E acham que algum cidadão comum consegue passar da segunda página? Não será tempo de deixar de brincar aos referendos?”
Esta frase abre verdadeiras avenidas para a política europeia dos nossos dias, a começar pelo facto de que, se se escreverem documentos cada vez mais obscuros, menos obrigados somos a levá-los a votos. Podia-se experimentar, aliás por solidariedade com a língua mais minoritária da União, escrevê-los em maltês (hoje são escritos em burocratês). Assim acabava-se com essa actividade subversiva de querer saber e decidir o que provocou tanta alegria de encomenda para as televisões, com governantes que cada vez mais aparecem só em fundo azul. Será que nos vão passar a dar só Murganheira de boa colheita? Isso, o “cidadão comum” compreende e até é capaz de passar da segunda página de um prospecto de férias do Algarve. Para o resto, somos burros, não somos?
2. O TRATADO EXPLICADO ÀS CRIANCINHAS E AOS BURROS QUE NÃO PASSAM DA SEGUNDA PÁGINA
E eu que pensava que com este tratado se reforçavam o Conselho e o Parlamento Europeu (instituições que até há uns dias eram consideradas hostis à “coesão” dos países como Portugal) e se enfraquecia a Comissão (que desde o mítico Delors era o porta-voz do equilíbrio dos países europeus face aos “grandes”); eu que pensava que Portugal, como o pequeno Luxemburgo e a grande Alemanha, podiam até agora in extremis vetar uma decisão que afectasse vitalmente o interesse nacional, obrigando a uma negociação que acomodasse todos e agora perdi essa “bomba atómica” que tornava iguais as nações da Europa como pretendiam os “fundadores” como Monnet e Schumann; eu que pensava que, passando a haver maiorias e minorias, que ninguém garante se vão ser ou não “de geometria variável” (em burocratês: significa que umas vezes se ganha e outras se perde) isto significava que Portugal deixa de poder defender qualquer “interesse vital” (em burocratês esta expressão passou a ser maldita, hoje é substituída por “mesquinhos interesses nacionais”); eu que pensava que o tratado coloca num papel pela primeira vez uma hierarquia de nações, passando a haver umas de primeira, outras de segunda e outras de terceira, e que qualquer estudante de relações internacionais, mesmo burro, sabe que isso é uma garantia de conflitos; eu que pensava que não havendo vontade dos povos e das nações para fazer um upgrade da sua política europeia comum (como se vê pelos referendos à Constituição, em que os burros bateram os iluminados e pelas posições de países como o Reino Unido, mas não só), este tratado só irá criar problemas em vez de os resolver, na medida em que ninguém acredita que as votações maioritárias possam resolver qualquer problema sério da Europa, os que são a doer (a decadência do “modelo social europeu”, a absurda PAC, a vacuidade da política externa, a incipiência de uma política de defesa, o financiamento da União e, até, vejam lá, o projecto Galileu, o GPS europeu que continua atrasado e encravado, etc., etc.); eu que pensava... mas devo pensar demais para a tribo dos burros em que Vital Moreira nos incluiu a todos. O problema é que eu penso ainda mais uma coisa: é exactamente para que os “cidadãos comuns” não percebam nada disto e não decidam sobre isto, que os iluminados não querem que haja referendo.
(Na Sábado de 27 de Outubro de 2007)
José Pacheco Pereira