O partido de esquerda que um dia chegará
por Ana Sá Lopes
Manuel Alegre chegou a pensar romper com o PS e fazer um novo partido à esquerda, que se poderia associar ao Bloco, mas recuou
A formação e o sucesso do Bloco de Esquerda foi um fenómeno extraordinário - associando dois partidos que, juntos, não chegavam aos 3% em legislativas e nem sequer tinham grande coisa a ver um com o outro, o PSR de Francisco Louçã e a UDP de Luís Fazenda, a um leque de ex-comunistas aquartelados num grupo chamado "Política XXI", ficávamos com uma misturada que tinha tudo para dar errado. E, misteriosamente, não deu.
O Bloco conseguiu trazer uma linguagem nova, que produzia um alto contraste com a chamada "cassete" do PCP, distanciava-se dos mitos do comunismo internacional (Coreia e China, por exemplo) e agarrou com todo o fulgor as chamadas "causas fracturantes", que agregavam uma esquerda e centro ansiosos por alguma modernidade social. Despenalização da droga e do aborto, casamento entre homossexuais, abertura social - o Bloco fez destas as suas bandeiras, assustando sobremaneira o PS e o PCP, que viam fugir as camadas mais jovens para aquela coisa que, durante muito tempo, foi apenas um movimento, transformando-se só num segundo momento em partido. Embora desde sempre grande combatente da causa da despenalização do aborto, o PCP acordou tarde para os direitos dos homossexuais (num extraordinário debate nas presidenciais de 1996 , confrontado com uma pergunta sobre o que o PCP pensava sobre os homossexuais - estávamos longe de se poder falar abertamente em casamento - o então candidato Jerónimo atrapalhou-se e acabou a dizer que o partido ainda não tinha discutido o tema homossexuais).Curiosamente, o Bloco aprendeu com o PCP uma regra que não se estende aos outros partidos - a roupa suja lava-se sempre em casa. Até o PCP, nos tortuosos tempos dos renovadores, das expulsões e das saídas em massa, que coincidiram com a Perestroika e a queda do Muro de Berlim, não conseguiu cumprir a regra.
O problema da esquerda é antigo: a esquerda é feliz e "unida" na oposição e incapaz de encontrar convergências no poder. O PS português já fez coligações com o PSD e com o CDS, mas nunca à esquerda - se descontarmos a coligação municipal de Lisboa, liderada por Jorge Sampaio e João Soares.
No auge da sua ruptura com Sócrates, na sequência da candidatura presidencial que levou a cabo sozinho, Manuel Alegre chegou a pensar em romper e fazer o tal partido de esquerda que se poderia associar ao Bloco. Francisco Louçã exultou - juntos, um partido alegrista e o Bloco poderiam chegar aos 20%, a força de um PRD. Mas Manuel Alegre recuou e conformou-se com uma candidatura presidencial associada a um partido do governo que lhe deu cabo da campanha e, em sequência, deu cabo do Bloco de Esquerda, o seu primeiro e mais inflamado apoiante. Agora um grupo com os renovadores comunistas admite avançar para a construção de um novo partido, aproveitando o espaço aberto pela crise bloquista. Mas um partido só por si não resolve nada. Se for para replicar os últimos dois anos do BE, pior.