Por Cristina Ferreira e Paulo Miguel Madeira
O Estado português está a contar, durante a crise, com uma maior ajuda dos bancos privados para se financiar. O BCP foi o que mais adquiriu títulos de dívida
A exposição dos três principais bancos privados portugueses à dívida soberana nacional aumentou mais de dois mil milhões de euros, ou seja, quase um terço, entre 30 Março e o final do terceiro trimestre, para cerca de 9,1 mil milhões de euros. Este valor representa 6,5 por cento do total do stock da divida pública nacional.
Este reforço por parte dos bancos constitui uma ajuda preciosa para o Estado português numa altura em que as fontes de financiamento internacional não abundam. Do lado dos bancos, a compensar os riscos de desvalorização dos títulos de dívida pública estão outros factores importantes: as taxas praticadas são elevadas, as Obrigações do Tesouro podem ser entregues ao BCE como garantia para empréstimos e um apoio ao Estado é, nesta fase, um contributo para descongelar o acesso da banca nacional aos mercados internacionais.
Até ao início da crise da dívida soberana da zona euro, o empréstimo de fundos aos Estados era visto como uma estratégia de investimento segura e conservadora, pois o risco de incumprimento era teoricamente nulo. E os bancos elegiam muitas vezes os países periféricos para investir, pois as obrigações soberanas ofereciam juros ligeiramente mais elevados, não se admitindo nunca uma eventual entrada em bancarrota.
Agora, apesar de a crise ter revelado situações de Estados em risco de derrapagem, um cenário desse tipo dificilmente se coloca a curto prazo. Isto porque, ao criar na Primavera o fundo europeu de estabilidade financeira (FEEF) em articulação com o FMI, a zona euro veio reduzir o risco de incumprimento de reembolso das dívidas soberanas. Nesta óptica, ou os Estados têm a sua situação financeira controlada, ou recorrem a este mecanismo, e tranquilizam os seus credores.
Assim, no caso da banca nacional, a sua exposição à divida da República só constituirá um risco mais elevado a partir de 2013, no final da vigência do actual FEEF, e quando for criado um novo instrumento permanente que, se a sugestão alemã vingar, terá os particulares a serem chamados a assumir custos de reestruturação da divida emitida a partir daquela data.
Além disso, ao darem empréstimos ao Estado português, BCP, BES e BPI não só estão a fornecer liquidez à República (evitando contágios mais negativos para si próprios), como também a obter garantias para, eles próprios se poderem financiar junto do BCE. A dívida acumulada da banca nacional junto do BCE era em Setembro de 40 mil milhões de euros.
BCP reforça posições
Uma análise da exposição dos três principais bancos privados portugueses à divida soberana permite concluir que o peso das obrigações portuguesas é, em termos absolutos, maior no BCP, embora seja no BPI que assume a percentagem mais elevada dos activos. E o BCP foi o que mais "ajudou" o Governo a financiar-se no mercado. Em apenas seis meses, entre 30 de Março (segundo os testes de stressrealizados à banca europeia) e 30 de Setembro, o maior banco privado português multiplicou a sua carteira de obrigações da República 4,7 vezes, enquanto o BPI a reduziu em 37,7 por cento. Já o BES apresentou uma subida de 13,8 por cento.
Para além de obrigações portuguesas, BCP, BPI e BES possuem ainda dívida grega, irlandesa e italiana, totalizando cerca de três mil milhões de euros. A carteira de títulos soberanos dos quatro países perfaz mais de 12 mil milhões de euros.
A 30 de Setembro, o BCP possuía 4,5 mil milhões de euros de obrigações nacionais, o que representava 4,5 por cento dos seus activos totais (99 mil milhões de euros). E 950 milhões de euros de dívida da Grécia e da Irlanda. Ainda assim, a exposição do BCP a Portugal, à Grécia e à Irlanda não ultrapassava os 5,5 por cento dos activos do banco. Na sua estratégia de aplicação de fundos, emprestou também ao Estado polaco 1,1 mil milhões de euros. O grupo controla um banco na Polónia, o Millennium Bank, e outro na Grécia, o NovaBank.
Já o BPI financiava a 30 de Setembro o Estado português em 2,631 mil milhões de euros, o que traduz uma queda de 37,7 por cento face aos 4,22 mil milhões de euros referidos no final de Março. No entanto, revela o maior peso no activo total (47 mil milhões), cerca de 5,6 por cento. À semelhança do que fez o BCP, também o BPI investiu em obrigações gregas e irlandesas, onde detinha 881 milhões de euros. Aplicou ainda recursos em títulos dos Estados italiano (1,024 mil milhões de euros) e brasileiro (261 milhões de euros). O grupo presidido por Fernando Ulrich exibia indirectamente, através do Banco de Fomento de Angola, que controla, créditos ao Estado africano de 2,014 mil milhões de euros. Dos três bancos analisados, a carteira do BPI, composta por obrigações públicas de vários países (6,7 mil milhões de euros), era a maior, e equivalia a 14 por cento do seu activo total.
O BES foi o que divulgou a menor carteira de divida pública, de apenas 2,386 milhões de euros, sendo os títulos da República de dois mil milhões de euros, ou seja, 2,30 por cento dos activos totais (87 mil milhões de euros).
Os bancos, a par dos bancos centrais, dos fundos soberanos (dos Estados), e, em menor escala, dos fundos de pensões, dos fundos de investimento e das seguradoras, estão entre os financiadores dos países.