O primeiro-ministro tem razão: “Estas assinaturas revelam uma mudança no tempo político que vivemos.”
É um tempo acelerado e estranho: uma espécie de estado de guerra em que os soldados na frente são aqueles que gloriosamente irão ficar mais pobres em nome da “competitividade nacional” – feita exclusivamente à custa de baixos salários, de suor e lágrimas para as classes média e baixa. (É evidente que os CEO, mais ou menos dependentes do Estado, e os círculos alargados de amigos políticos estão, agora como antes, ao abrigo das “grandes dificuldades”.)
Mas a assinatura do acordo de Concertação Social registou, de facto, uma “mudança no tempo político” de elevada magnitude. Essa mudança já estava a ser preparada quando passou pela cabeça de António José Seguro votar a favor do Orçamento do Estado. Foi agora consumada com a assinatura do acordo pela UGT.
A explicação desta súbita cedência de históricos socialistas à agenda ideológica inscrita na famosa revisão constitucional de Passos Coelho do Verão de 2010 não se explica apenas com o cumprimento do acordo com a troika. Isso explica muitas coisas, mas não tudo.
A explicação profunda está noutra frase de Pedro Passos Coelho debitada ontem, em reacção à assinatura do acordo de Concertação Social. Passos leva a dramatização ao ponto de se interrogar sobre se “vamos sobreviver”. Há uma hesitação, parece. Pelo menos há um “se”. Passos acha que “vamos sobreviver se tivermos todos a mesma preocupação”. Esta frase aparentemente desorientada (alguém duvida que o país sobrevive? – está cá há 800 anos) é de uma importância extraordinária. É ela o centro da narrativa que conduziu ao sucesso do acordo de Concertação Social, em que Passos conseguiu pôr a UGT a assinar um pacote que não teria o apoio de um único trabalhador isolado – e isto a troco apenas do feriado de 5 de Outubro.
Perante o risco de “sobrevivência” (falir?, sair do euro?), a única resposta é a união nacional, com o PS e a UGT “a saírem da sua zona de conforto” e “da sua postura reivindicativa tradicional”. E, sim, tanto PS como UGT saíram de todas as zonas de conforto possíveis, não conhecem alternativas e dispõem-se (ainda segundo Passos) a participar na “coligação social importante” fundamental “para que o país saiba a direcção que está a ser seguida e o que é que todos, mas todos, estamos a fazer para vencer esta crise e para viver melhor”. Se é para sair da “zona de conforto”, um governo PSD/PS/CDS seria uma situação menos tóxica.
Ana Sá Lopes no Ionline