24.11.11



Fraca memória


Ninguém imaginaria, mas parece que um dos dois PCPs (porque há, pelo menos, dois: o que, a nível interno, se mostra comprometido com a causa dos oprimidos e o que, externamente, está ao lado de alguns dos mais opressores regimes políticos do Mundo) terá adoptado a norte-americaníssima teoria, que fez escola durante a Guerra Fria, do "he's a son of a bitch, but he's our son of a bitch".
A brutal repressão do regime de Bachar al-Assad sobre as manifestações pró-democracia já provocou, segundo a ONU, 3500 mortos. "Alegado saldo", acha o "Avante!" que, repetindo o ditador, escreve que os manifestantes são tão só "bandos armados suportados e dirigidos a partir do exterior", o mesmo, palavra por palavra, que a propaganda de Salazar dizia dos movimentos de libertação das ex-colónias.
"Milhares de pessoas de todos os credos e idades manifestaram-se, domingo, na capital da Síria, em defesa da unidade nacional e contra a ingerência externa nos assuntos do país e o terrorismo", afirma o jornal do PCP. Substitua-se "na capital da Síria" por "em Lisboa" e este poderia ser o "lead" da notícia do extinto "Diário da Manhã" de uma das muitas "manifestações de desagravo" organizadas pelo regime salazarista em apoio da Guerra Colonial: "unidade nacional", "ingerência externa", "terrorismo"...
A linguagem que usamos não é uma matéria neutra e, ou o PCP aprendeu de mestres pouco recomendáveis, ou tem péssima memória.

23.11.11



A cigarra e a formiga



Na Madeira o Carnaval financeiro continua animado. Desta vez (crise?, qual crise?) são três milhões de euros só para iluminações natalícias e fogo-de-artifício que, com o "programa de animação" dos ilhéus, que andavam desanimados desde que Jardim confessou estar "entalado" com dívidas e não ter mais euros para distribuir (entretanto, porém, já terá pedido ajuda a Passos Coelho), poderão chegar a 5 milhões. A pagar pelos subsídios de férias e Natal adivinhe-se de quem.
Uma verdadeira festa à madeirense: financiamento com dinheiros públicos dos negócios de empresários de hotelaria e comerciantes locais, tudo gente amiga que, como de costume, não gastará um chavo, limitando-se a ficar eternamente grata a Jardim e a embolsar lucros com incontáveis e embasbacadas multidões de turistas que "vai vir em 'charters'" da China e do Mundo inteiro para ver as "iluminações"; e contratação das "iluminações" por ajuste directo à empresa de um ex-deputado do (surpresa!) PSD-M e por um preço meio milhão acima do valor por que ela se propusera fazê-las em concurso público entretanto anulado após impugnação de outros concorrentes.
Enquanto isso, por cá, os "cubanos" passarão o Natal às escuras pois, como diz o Governo da "troika" (ou lá de quem ele é), é preciso empobrecer. É a nova versão da fábula da cigarra e da formiga, com a cigarra sempre a folgar e a formiga, na penúria, a trabalhar para lhe pagar os folguedos.

22.11.11



Navegar à vista



A expressão "navegação à vista" seria apropriada para descrever a presente história trágico-governativa se, nas sucessivas decisões e anúncios de decisões do Governo e nas previsões em que elas se fundam, se vislumbrasse a vaga ideia de um rumo.
Praticamente desde que tomou posse (para já não falar do que Passos Coelho prometeu em campanha eleitoral e do que fez depois), tornou-se rotina o Governo dizer e desdizer-se semana sim semana não. Isto quando não anuncia na mesma semana uma coisa e o seu contrário ou não aponta metas e previsões que corrige no dia seguinte.
A memória dos portugueses é curta mas talvez alguém ainda se lembre (que diabo, foi há menos de um mês!) do perplexo ministro Relvas admitir a hipótese de o Governo confiscar apenas um dos subsídios, o de férias ou o de Natal, em 2012 e do imediato desmentido de tal hipótese pelo seu colega das Finanças.
Vítor Gaspar é, aliás, o ministro dos desmentidos de serviço. Só ontem desmentiu não só a revisão salarial da função pública anunciada sexta-feira pelo secretário de Estado da Administração Pública e a redução de salários no sector privado anunciada pela "troika" como a sua própria previsão de uma recessão de 2,8% em 2012, anunciada em Outubro, que desmentia, por sua vez, a de 1,8% que anunciara em Agosto. A versão de Novembro é agora de 3%. Aguardemos pela de Dezembro. E ponhamos os coletes de salvação e preparemo-nos para o naufrágio.