30.11.10

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Entre a PPP e a parede



As parcerias público-privadas (PPP) são um dos mais graves problemas involucrados das contas do Estado.
Isso já sabemos. O que ninguém sabe é como desmantelá-las. Mas vai ser criada uma nova empresa pública para tratar disso. É melhor cruzar os dedos.
Cada uma das 116 PPP em exploração ou construção é uma granada sem espoleta. Nem todas são más nem confundíveis, mas todas vão rebentando anualmente sob a forma de rendas pagas pelo Estado. 
Parece o melhor negócio do mundo: taxas internas de rendibilidade de dois dígitos e sem risco.
Mas a responsabilidade não é dos privados: eles apenas fizeram o melhor negócio que o Estado deixou. E o Estado patrocinou negócios escandalosos sobretudo nas estradas. Até porque, ao contrário das parcerias na saúde, que não têm risco de procura, nas estradas o Estado paga pelos automóveis que lá não passam. E ainda reformula as rendas pela "disponibilidade da infra-estrutura", emenda pior que o soneto. 
Num acordo tão estável quanto a nitroglicerina, PS e PSD decidiram constituir um grupo de trabalho para rever as PPP, uma a uma, e cortar custos. No célebre acordo, apenas fotografado pelo telemóvel de Catroga, ficou escrito que o trabalho teria de ser concluído até ao dia 31 de Dezembro. Pedia-se máxima urgência. Foi a 30 de Outubro. A 30 de Novembro ainda nem grupo de trabalho há. Andam a brincar aos soldadinhos de chumbo. 
É como a tributação dos dividendos antecipados: um punhado de deputados do PS juntou-se à esquerda anticapitalista para cancelar a infâmia. Como o faria? "Estamos à procura de uma solução técnica." Dias depois, não se fala mais no assunto. Então? "Não há solução técnica." 
Há "soluções técnicas" para as PPP, mas implicam custos para o Estado. O Estado pode resgatar os contratos, "nacionalizá-los". Problema: a dívida bancária das concessões passa a ser dívida pública. O Estado pode rasgar os contratos. Problema: tem de indemnizar as empresas. O Estado pode suspender os contratos, atrasando a sua implementação. Problema: tem de ressarcir os bancos que já financiaram as concessões. 
Os contratos puseram a faca e o queijo na mão dos privados. Mas o Estado tem do seu lado um argumento: é o Estado. É um País. É Portugal. E o Estado pode. Rasgar? Não, mas renegociar. Como mostra o TGV, que má fama. O estigma é merecido, mas faz esquecer outros. Como a A23, que está às moscas. Ou a estrada Pinhal-Interior, de custo astronómico. 
Mas vamos ao TGV. É um projecto cujo investimento é um custo afundado e cujos custos de operação não são cobertos pelas receitas, segundo contas do próprio Governo. Mesmo acreditando nas externalidades (desenvolvimento económico e ambiental) que tornam o projecto sustentável, não era num momento de falta de liquidez que Portugal podia avançar. 
Avançou-se com a primeira fase (Poceirão-Caia), que é a melhor, pois tem uma componente altíssima de financiamento comunitário. Mas assim comprometeu-se a segunda fase (Lisboa-Poceirão), que exige um financiamento que só a banca estrangeira pode suportar. E agora? Agora está a renegociar-se a forma de baixar o investimento, o que obriga a rever a construção da ponte: fazê-la apenas ferroviária; talvez em Vila Franca de Xira; talvez na 25 de Abril. Renegociar é isto. 
Ao criar uma empresa pública para gerir as concessões e as grandes obras públicas, o Estado reconhece a sua irresponsabilidade passada. Mas vale pelo futuro. Desde que sirva para negociar a sério com os privados, sempre melhor assessorados, e impor disciplina no próprio Estado, sempre indisciplinado. E desde que não seja apenas um veículo para desorçamentar o custo futuro das PPP. Mal por mal, já basta assim.


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