16.11.11

A bem da nação, esqueça o papel

Por Ana Sá Lopes
Duque conseguiu a proeza de defender o contrário do que está no papel

O grupo de trabalho para o serviço público de televisão nasceu torto e está a morrer sem glória. Diga-se de passagem que quem o nomeou, o governo, não esperava dali grande coisa: as decisões da tutela sobre o serviço público foram sendo conhecidas muito antes de o grupo arranjar tempo para se sentar à volta de uma mesa e dar início à tarefa de pensar qualquer coisa.
Eventualmente, o governo tinha razão. Para alinhavar aquele conjunto de banalidades sobre programação para “minorias”, “alternativas”, “produtos culturais”, “ficção histórica”, “concertos no estrangeiro”, etc., não era preciso juntar tanta gente. Felizmente que, como todos os membros trabalharam pro bono, ninguém se pode queixar de despesismo do Estado. Ao menos isso.
O papel tem uma contradição extraordinária, que revela que alguém estava a dormir enquanto os outros escreviam. Não houve nenhum prurido em institucionalizar o preconceito de que o serviço público é politicamente orientado. É inadmissível que um grupo de quem era esperado o mínimo de credibilidade não se tenha dado ao trabalho de apresentar uma prova que fosse de uma difamação genérica.  
Mas se dúvidas houvesse sobre a ligeireza do grupo de trabalho, a declaração de ontem do seu presidente, João Duque, no “Fórum TSF”, é não só um monumento ao nonsense jornalístico, como uma deliciosa contradição com o documento que, enquanto presidente, assinou. O que disse ontem João Duque? Basicamente, que a informação da RTP-Internacional deveria ser editada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros “a bem da nação”.
Quando o pivot lhe pergunta se afinal a informação continuaria informação ou passaria a propaganda, Duque não tem dúvidas.
A ideia é ser mesmo propaganda. Para Duque, “seja qual for o governo e a sua orientação, ele tem o direito de fazer a sua diplomacia” porque “foi sufragado em votos”. Pelos vistos, a informação, as suas regras e deontologia são um mundo estranho ao mesmo Duque que ataca violentamente a suposta “governamentalização” da RTP e da RDP nacionais. Afinal, para consumo externo, “se o governo quiser manipular mais ou manipular menos, opinar, modificar, é da sua inteira responsabilidade”. “Estamos convencidos que o faz a bem da nação porque foi sufragado para isso.” O delírio do economista João Duque foi tão grande que conseguiu a proeza de defender precisamente o contrário do que escreveu (?) no papel, a propósito da Lusa e das suas delegações espalhadas pelo mundo. Diz o papel: “Consideramos aconselhável reformular o modelo institucional da agência de modo a impedir
a sua utilização ilegítima ou eticamente reprovável pelo poder político e também de forma a prevenir uma confusão entre missões jornalísticas e de política externa.” Mais, carregando na mesma tecla: “O serviço noticioso [...] deve conquistar a atenção e o respeito das audiências internacionais, ser um exemplo de imprensa livre, isento e profissional.” Aparentemente, quando alguém escreveu isto, Duque saiu da sala para ir comentar a crise
do euro.

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