14.11.11

Otelo e Merkel, a mesma luta

Por Ana Sá Lopes
A queda de Papandreou e de Berlusconi foram dois efectivos golpes de Estado

Como a maioria dos militares que fizeram o 25 de Abril, Otelo viveu a ditadura o melhor que pôde. Ainda é difícil discutir o papel dos militares na manutenção da ditadura, uma vez que foram, décadas depois, os libertadores do país. Este é um assunto tão doloroso, um tabu tão forte como discutir a relação desses mesmos militares com a PIDE (com quem trabalhavam em conjunto nas colónias, por exemplo). Por exemplo, a amizade do marechal Costa Gomes, o Presidente da República que seria depois acusado de ter ligações com o PCP, com o famoso inspector da PIDE São José Lopes está nos livros de História.
Mas dessa relação estreita com a ditadura não vale a pena exorbitar o contributo militar – a generalidade dos portugueses, melhor ou pior, no mínimo por omissão, foram um grande sustentáculo da ditadura. Isso não está nos livros de História, mas basta ler os espaços em branco na história da oposição e os almanaques da época para perceber como foi possível o regime durar, para lá do apoio da NATO e dos Estados Unidos e das circunstâncias da guerra fria.
Otelo viveu melhor a ditadura do que a democracia. Foi a ditadura que lhe permitiu o heroísmo manifestado no 25 de Abril. A democracia, depois, não lhe permitiu quase nada. Ficou-se por uma falhada candidatura a Presidente, que teve ainda um efeito popular considerável, e uma prisão sob a acusação de fazer parte das FP-25, uma organização terrorista que actuou no Portugal dos anos 80. Um destino terrível para um herói.
Em parte, isto explica que Otelo venha agora anunciar um previsível golpe militar, “um outro 25 de Abril”, pela segunda vez no ano de 2011. Os portugueses olham-no entre a estranheza e a comiseração, um alien do outro mundo numa democracia consolidada onde os governos são derrubados em eleições livres e justas.
O problema é que enquanto Otelo discorre publicamente sobre golpes de Estado e não é levado a sério, outros dedicam-se a fazê-los, sob a apatia geral. Esta semana, a Europa foi palco de dois golpes de Estado comandados por Bruxelas – que hoje é uma palavra que funciona como um eufemismo para não ter de dizer “Alemanha”. A queda de Papandreou na Grécia e de Berlusconi na Itália foram dois efectivos golpes de Estado desencadeados a partir do centro europeu, ultrapassando as instâncias democráticas dos respectivos países.
Como escreveu o colunista do i Tiago Mota Saraiva, eu também queria festejar a queda de Berlusconi, mas assim não. Rir de Otelo Saraiva de Carvalho e apoiar os golpes de Estado de Merkel é um contra-senso pesado. 

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