18.11.10

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PRIMEIRO PLANO

A solidão de Sócrates: próximos e últimos capítulos

por Ana Sá Lopes
Os próprios "amigos para a vida" do primeiro-ministro já terão dúvidas sobre o próximo futuro, mas não podem fazer nada: ele é teimoso como um "animal feroz"
Estamos em Fevereiro ou em Março de 2011 e a aldeia gaulesa "Sócrates & já só três amigos" resiste orgulhosamente ao invasor, incluindo o "invasor" interno. O PS, abananado com a decadência nas sondagens e nas ruas, mas paralisado e sem capacidade de reacção, prepara-se para reeleger o ainda primeiro-ministro por mais ou menos dois terços dos votos.

Ninguém, à excepção do militante Fonseca Ferreira, se atreverá a apresentar moções de estratégia alternativas. Lá dentro, os congressistas vão apontar as dificuldades que a crise financeira internacional trouxe ao governo e a insustentabilidade do nó cego da política europeia e, evidentemente, pontuarão os discursos com algumas críticas ao modus vivendi interno.
A eurodeputada Ana Gomes e o deputado António José Seguro farão intervenções violentas, mas serão os únicos a assumir claramente as divergências com o statu quo socrático. Francisco Assis e António Costa serão obrigados a "acomodar as despesas" das suas críticas à necessidade de manter as aparências - o ainda apoio ao candidato e recandidato a secretário-geral do partido, José Sócrates.
Luís Amado, que até poderá já não ser ministro dos Negócios Estrangeiros nesse final de Inverno, aproveitará para aumentar o seu reconhecimento partidário, que é ainda diminuto, e mostrar ao PS a sua existência enquanto peso político autónomo fora da órbita gamista-atlantista. O soarista Vítor Ramalho irá lembrar que não foi especialmente bom para o PS apoiar Manuel Alegre nas presidenciais e secundará o desejo de uma grande coligação que o ex-ministro Luís Amado irá propor.
Os jornalistas bocejam a ouvir os discursos (à excepção dos de Seguro e de Ana Gomes) e sempre que podem fogem para os corredores, onde conseguem perceber muito melhor a dolorosa realidade socialista: nas conversas em off e nos sorrisos irónicos perceber-se-á que já ninguém acredita no futuro do PS com Sócrates, mas também ninguém consegue desligar a ficha. A maioria dos altos dirigentes do PS (à excepção de Pedro Silva Pereira) também já se sente mais à vontade nos corredores. Lá dentro, na sala do congresso, desenrola-se uma ficção que alma nenhuma ousará interromper - a menos que surja do nevoeiro algum militante mais ou menos anónimo e corajoso quanto baste que decida lavar a roupa suja da família, coisa que os socialistas sempre acharam muito desagradável de fazer (o PSD é mais dado a estas cenas).
Os próprios "amigos para a vida" do primeiro-ministro já terão dúvidas sobre o próximo futuro, mas não podem fazer nada: ele é teimoso como um "animal feroz" e quis recandidatar-se, por muito que as sondagens indiciem os piores augúrios para o PS nas próximas eleições, que hão-de estar por meses. Quer ser derrotado nas urnas, coisa que, para alguns possíveis sucessores, até não parece má estratégia: como se aproxima uma derrota do PS nas legislativas seguintes, mais vale aparecer depois, com tempo e espaço para enterrar o passado e o fantasma de Sócrates.
O debate sobre a sucessão no PS desaparecerá misteriosamente de cena, depois de ter ocupado páginas e antenas onde, à vez, todos os ministros do governo, os números dois, três e quatro do PS e dirigentes avulsos terão expresso as suas opiniões sobre o pós-Sócrates. Por esta altura, e descontando Silva Pereira, Sócrates, se quiser amigos, vai ter de arranjar um cão.
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