20.2.10

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Monopólios e enxovais

O Governo vai entregar a concessão de todos os aeroportos - à excepção dos da Madeira - à ANA. Em seguida irá privatizar a empresa, impondo a construção do novo aeroporto de Lisboa como condição e contrapartida do negócio. O Estado manterá a maioria do capital da ANA mas, em termos práticos, estará a transferir um negócio público rentável para as mãos de um monopólio privado, que passará a deter o exclusivo da actividade aeroportuária.

Esta é uma parceria público-privada em que os privados pagam a minoria do custo, mas controlam o negócio através de acordos parassociais e de um monopólio. Aliás, para garantir tal desiderato, já conseguiram que o Governo quebrasse todas as suas promessas: a que foi feita por Sócrates, que assegurou que a privatização do aeroporto do Porto seria feita em separado desde que houvesse interessados (e é público que a Sonae e a Soares da Costa manifestaram imediata disponibilidade) e a de Alberto Martins, o cabeça-de-lista do PS pelo Porto que integra o Governo, e que na campanha garantiu que a ANA não seria privatizada.
Essas promessas, pelos vistos, ou eram falsas ou esgotaram o seu prazo de validade. Percebe-se que Sócrates não quer recuar, por teimosia ou em nome de outros compromissos, e apesar da alteração profunda das circunstâncias. Quer avançar com a construção imediata do novo aeroporto, pese embora a estagnação do tráfego aéreo e as previsões da indústria europeia que apontam para uma maior volatilidade na procura, o que recomendaria que se mantivesse a Portela em operação por mais alguns anos. É por isso que Alcochete, só por si, não entusiasma os investidores para quem, além disso, o custo do financiamento cresceu na razão inversa da sua confiança no projecto, e que só abrirão a bolsa com o conforto adicional do monopólio.
Assim, o elevado custo de encerrar a Portela e construir Alcochete antes do tempo será, como é óbvio, amortizado através do aumento da taxa por passageiro a cobrar em todos os aeroportos, que já hoje é muito superior à espanhola. Para os investidores, pouco interessa se esse aumento diminuirá o tráfego. Aquilo que contará, e é lícito do ponto de vista privado que assim seja, será a maximização dos lucros e a cobertura do risco do investimento, facilitadas pela inexistência de concorrência no território nacional. A política comercial de todos os aeroportos estará submetida a essa racionalidade e, se por exemplo o tráfego crescer no Porto e se aproximar do limiar da capacidade do aeroporto, os preços serão ajustados para desviar tráfego para Alcochete, de forma a garantir a plena utilização dos seus recursos antes de fazer novos investimentos no Sá Carneiro.
É para apaziguar essas sensibilidades que a Base das Concessões propõe parcerias para promoção do desenvolvimento regional, através de empresas em que a participação das entidades locais será convenientemente domesticada pela concessionária, que será maioritária. Ora, se o Governo insiste em privatizar a ANA para viabilizar um investimento inútil, devia dispensar-se de tais cinismos e alienar a totalidade do capital, para que não se finja que o interesse público está salvaguardado e para que, pelo menos, a actividade seja sujeita a regulação. E se também quer entregar o nosso aeroporto como enxoval, então que assuma o seu despeito pelos interesses desta região. Mas, convenhamos, se os nossos políticos consentirem nisso e os nossos eleitos ficarem em silêncio, é isso mesmo que merecemos.

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