6.7.11

Grandes crimes entre amigos. Ou ex-amigos

por Ana Sá Lopes,
Estamos no lixo, segundo a Moody''s. Amanhã será a Espanha, depois a Itália, depois todos. As agências criminosas enterram a Europa
Atravessámos ontem um Rubicão implacável na crise da dívida portuguesa - a Moody''s, uma das mais edificantes agências de rating, colocou Portugal no "lixo". A tragédia é nacional, não é de Passos Coelho nem do governo em funções. É a consequência mais do que esperada do agravamento da crise grega e da loucura que atravessa uma Europa em estado de colapso iminente.

A ideia de que Portugal vai precisar de um segundo resgate - como está a acontecer com a Grécia - é o pior que pode acontecer à economia portuguesa. A confiança económica é um factor excessivamente irracional e mais ou menos idêntico ao sentimento de insegurança. Se um grupo de pessoas se convence de que um lugar é inseguro, ele passará imediatamente a ser "marcado" como inseguro, independentemente de nos 20 anos anteriores ter sido um poço de estabilidade.

Agora chegou o momento dos partidos da direita perceberem como as agências de rating são, efectivamente, criminosas - e não distinguem entre os seus "amigos" liberais de direita e os seus "inimigos" que insultam "os mercados" de esquerda. Até aqui, qualquer declaração sobre a inanidade destes agentes, que se excitaram alegremente perante todo o lixo tóxico financeiro, tornando-se co-responsáveis pela mais grave crise mundial depois de 1929, era recebida com alegria à direita.

Foi absolutamente extraordinária a capacidade de "denial" dos partidos da direita relativamente à crise do euro. Com as honrosas excepções dos mais informados - e menos tacticistas e dogmáticos - a maioria dos "opinion makers" e decisores políticos do PSD exultavam a cada queda do rating da República. A culpa era de Sócrates e todo o cenário macro da crise europeia era arrumado num canto como se fosse conhecimento acessório.

Provavelmente, também ontem alguns socialistas terão esfregado as mãos de prazer - a vingança do chinês é sempre irresistível.

Acontece que está, de facto, em causa um crime contra a sustentabilidade da economia nacional. A curto prazo estaremos todos, senão mortos, completamente destruídos. Isto tem muito pouco a ver com o governo em funções, seja ele qual for - a economia periférica portuguesa não aguenta a Europa tal como ela está. Vamos ver se a economia menos periférica espanhola aguenta. E a italiana. Alguma coisa há-de acontecer, mas no caso concreto da crise do euro há muito que os mais optimistas arrumaram as botas.

A solução apresentada por ex-líderes europeus como Mário Soares e Jorge Sampaio, de inventar um "New Deal" de inspiração rooseveltiana para salvar a economia europeia é uma das poucas boas ideias que andam por aí. A questão é que a Europa está capturada pelos nacionalismos baseados na ignorância - o caso alemão, um dos países que mais lucra com o euro e a União Europeia, é o exemplo escabroso desta situação. Portugal está a comer o pão que o diabo amassou. E sabe-se muito bem porque até 5 de Junho, alguns acharam doce o pão diabólico.

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