4.7.11

Do modo de vida pós-socretista

Sopa dourada
João Cândido da Silva 



O que deve o Governo fazer às "golden shares"? Deve vendê-las?
Ou deve simplesmente extinguir as acções com direitos especiais, que ainda existem em empresas como a Portugal Telecom, em troca de nada? A questão volta a colocar-se depois de a oferta pública de aquisição da Sonaecom sobre a operadora de telecomunicações ter fornecido, há cinco anos, a primeira grande oportunidade para o debate do tema. 
Na época, economistas como João Duque defenderam que o Estado devia aproveitar a operação para avaliar a "golden share" que detinha na PT e aliená-la ao oferente, já que, mais tarde ou mais cedo, a pressão de Bruxelas para que estas "acções douradas" fossem eliminadas do mapa havia de surtir efeitos. O raciocínio era simples. A capacidade do Estado para limitar a liberdade de decisão dos restantes accionistas e condicionar as opções estratégicas das empresas tinha um valor económico. 

Com a extinção da "golden share", o poder dos direitos de voto dos accionistas nas empresas envolvidas é reforçado. E o facto de ser afastado um obstáculo à possibilidade de algum investidor vir a tentar assumir o controlo das empresas envolvidas fornece-lhes um potencial de valorização adicional que estava constrangido pela hipótese de o Estado poder travar decisões dos órgãos sociais, nem que fosse por meros critérios de natureza política tal como sucedeu quando da venda da participação da PT na Vivo. 

O fim das "golden shares" é bem-vindo. Acaba com as privatizações fingidas, em que o Estado vendia para continuar a mandar e, sobretudo, a servir-se desse poder, com a cumplicidade dos investidores privados. Por vezes, para fins tão pouco recomendáveis como a tentativa de aquisição da TVI pela PT ou o controverso financiamento feito pela EDP a uma Universidade norte-americana para onde o ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, foi dar aulas. 

Também nesta área, o talento português para perder tempo e adiar decisões inclui o risco de originar um custo ou, pelo menos, a perda de uma receita. Por força do acordo com a troika, as "acções douradas" terão de ser extintas até ao final deste mês. É um prazo escasso para ponderar a possibilidade de vender os títulos às próprias empresas, cenário em que todos os accionistas, primeiros beneficiados com a decisão, estariam a pagar por algo cujo desaparecimento poderá ter impactos positivos no valor das suas participações. 
A urgência no cumprimento de um compromisso não devia excluir a rendibilização de um activo que tem um valor óbvio. Numa conjuntura de enormes dificuldades nas finanças públicas, em que o Governo tenta compensar o lançamento de um imposto extraordinário sobre os rendimentos das famílias com sinais de estar na disposição de atacar o excesso de despesa, exigir uma compensação em contrapartida por deixar de meter o nariz nos assuntos das empresas não resolveria os problemas orçamentais. Mas teria, também, o valor simbólico de um acto de boa gestão do património do Estado e de defesa criteriosa dos interesses dos contribuintes. 

Tudo indica que o Governo vai servir aos accionistas da EDP e da PT um almoço grátis. Acabam as "golden shares" mas há investidores que vão ter direito a uma sopa dourada. 


Jornal de Negócios

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