Helena Garrido
O trabalho inútil só é útil para nos manter ocupados. À falta do que fazer, tratamos agora do que não precisamos, uma revisão da Constituição. Que não faz bem mas pode fazer bastante mal.
É uma realidade que um pequeno país do euro como Portugal, sem ferramentas de política macroeconómica, deixa os políticos do país de mãos vazias de medidas simples e que parecem, de uma só vez, resolver tudo sem dor como acontecia com um corte na taxa de juro ou uma desvalorização da moeda.
Hoje, com todas as políticas fechadas a cadeado por Bruxelas, tudo o que um Governo - e até a oposição - podem fazer é aquilo que os economistas designam como políticas do lado da oferta ou, em linguagem comum, muitas pequenas intervenções sem impacto mediático nem o toque de magia de, com um acto, mudar tudo.
Talvez por isso se caia na tentação do entretenimento ou de grandes intervenções de engenharia política e social, nos pequenos espaços de actuação que Bruxelas ainda vai deixando abertos.
Só isso pode explicar a razão que leva o principal partido da oposição, o mais sério candidato a ser governo em breve, a enveredar por uma proposta de revisão da Constituição que em pouco ou nada contribuirá para resolver os problemas, gravíssimos, que o país atravessa.
Tirar o "tendencialmente gratuito" para a educação e saúde e substituir a "justa causa" na proibição de despedir por "causa atendível" são progressos de papel. A realidade já é esta. Ainda ontem o Negócios mostrava que até os funcionários públicos viram duplicar, em três anos, os gastos que suportam com despesas de saúde. Quanto ao despedimento, basta olhar à nossa volta para perceber como tem sido fácil dispensar pessoas. O problema do despedimento não está na sua impossibilidade mas no seu custo e na necessidade de acordo entre empregado e empregador. Para isso não é preciso revisões constitucionais. Acabar com a necessidade de acordo entre a empresa e o trabalhador fazia mais por muitas empresas, especialmente as de média dimensão, do que andar a reescrever a Constituição.
Grave é que a revisão da Constituição, na actual conjuntura de crispação política, pode causar danos graves. Veja-se a proposta social-democrata da dita "moção de censura construtiva" em que, com a sua aprovação, os partidos estabelecem um acordo e nomeiam um novo primeiro-ministro. Uma arquitectura desenhada à medida de alguns anseios políticos recentes.
"Saia, senhor primeiro-ministro". Assim disse o líder do PP, Paulo Portas, no último debate desta legislatura sobre o Estado da Nação. "O que o País deveria ter", acrescentou, "era uma coligação com o PS, PSD e o CDS, por três anos, para tirar o País deste atoleiro. Consigo, engenheiro Sócrates, isso não é possível".
Com a "moção de censura construtiva" que o PSD agora propõe, a ideia de Paulo Portas é viabilizada sem qualquer necessidade de o primeiro-ministro ter de satisfazer o pedido para que saia de cena.
As revisões constitucionais que alteraram o equilíbrio de poderes foram sempre induzidas pela conjuntura, por um detentor específico do poder. Mas a moção de censura dita construtiva ameaça ser destrutiva dos poucos elementos de estabilidade política que o nosso regime ainda tem.
Gerar ainda mais instabilidade no regime é o pior dos trabalhos inúteis que os políticos podem fazer neste momento.
helenagarrido@negocios.pt
1 comentário:
Li o artigo e,comungo com seu contiudo.Realmente, o que é proposta de Passos e Portas, é a ânsia de poder... esta gente está preparada para governar Portugal dos pequeninhos, (Coimbra),lá sim.Estão dentro do seu espaço politico.
Cito aleixo para tais protagonistas:
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.
Um Lavrense atento.
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