INQUÉRITO
Deputados sem respostas ao 'Magalhães' há um ano
por RUI PEDRO ANTUNES
É um caso comum nas relações entre Governo e Assembleia, mas desta vez conduziu a uma comissão de inquérito: há um ano que os partidos da oposição pedem, formalmente, respostas ao Governo sobre o computador 'Magalhães', as respectivas verbas e a Fundação que gere o programa. E nunca teve resposta. O PCP voltou a insistir esta semana, já ao novo ministro.
Foi há exactamente um ano que a oposição começou a dirigir ao Ministério das Obras Públicas as primeiras perguntas formais sobre a polémica Fundação para as Comunicações Móveis, criada três meses antes do Governo para lidar com a operação do computador Magalhães. Desde então, outras duas iniciativas formais foram entregues no ministério, pelo CDS e PCP, sempre sobre a mesma matéria. Os três pedidos de informação tiveram, durante todo o ano, o mesmo destino: a gaveta.
As regras da Assembleia - e da própria Constituição - que obrigam o Governo a responder às perguntas e requerimentos da oposição foram, assim, quebradas - e nem o facto de o próprio PS ter proposto um prazo de trinta dias para essas respostas mudou a resposta do Governo. No lote de interpelações dirigidas ao então ministro Mário Lino contabilizam-se 24 questões, divididas por três perguntas formais. Sem resposta, o PSD seguiu, agora, outro caminho: pedir a abertura de uma comissão de inquérito - com poderes reforçados para forçar o Governo a dar respostas e apresentar toda a documentação do processo.
De resto, foi do PSD a pergunta que lançou a polémica. Pedro Duarte, um dos deputados que assinou o documento, disse ao DN que "as questões colocadas continuam actuais, uma vez que ainda não foram esclarecidas". Um exemplo: "Qual é a relação contratual entre o Estado e a empresa fornecedora do Magalhães?" - motivo que leva, também, à investigação que a Comissão Europeia abriu ao processo.
Em lista de espera na Assembleia estão também as 10 questões que o CDS enviou em Junho de 2009 ao Governo, levantando várias dúvidas sobre a Fundação para as Comunicações Móveis, que monitoriza o contributo de 390 milhões que as operadoras terão canalizado para o "programa e.escola". Os democratas-cristãos questionavam então as ligações entre a FCM e a empresa que fabricou os computadores "Magalhães", a JP Sá Couto.
Em Julho, foi a vez do deputado comunista Bruno Dias enviar dez questões a Mário Lino, então ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, sobre esta fundação, levantando dúvidas sobre o papel das operadoras no financiamento e sobre os fundos transferidos dos cofres do Estado para as operadoras. Mais uma vez, a interpelação caiu em saco roto. O deputado que levantou as questões, Bruno Dias, disse ao DN "que a prova que estas continuam actuais e completamente por esclarecer é que no dia 27 de Novembro o PCP voltou a enviar, novamente, as mesmas 10 questões ao Governo". No entanto, isto é algo que não surpreende o deputado: o executivo "já respondeu a questões do PCP anos depois de terem sido colocadas", diz ao DN.
Mas se as perguntas formais começaram há um ano, os registos da AR anotam que houve, antes disso, questões dirigidas em comissão a Mário Lino. Desde logo em 2007, ainda a Fundação não existia, sobre as verbas transferidas pelas operadoras ao abrigo da terceira geração móvel. E, depois, também em debates com a então ministra da Educação, Lurdes Rodrigues, que remeteu sempre para o seu colega de Governo.
As perguntas feitas sem resposta
A grande maioria das questões feitas pelos deputados, desde há um ano, a que o Ministério das Obras Públicas não respondeu estão relacionadas com o financiamento, a orgânica e a "transparência" da Fundação para as Comunicações Móveis (FCM). Segue-se um resumo de cada
6 de Julho de 2009
PCP/Bruno Dias
PCP/Bruno Dias
Como explica o Governo que tenham sido declaradas como cumpridas as obrigações das operadoras, após o pagamento de [apenas] 25 milhões de euros? Como explica que as operadoras tenham recebido uma verba superior a 47,8 milhões da Fundação? Como explica que toda a operação governamental funcione a partir de uma fundação privada relativamente à qual o Governo disponibiliza verbas e sede? Quando vai apresentar documentos à AR?
29 de Junho de 2009
CDS/Diogo Feio
CDS/Diogo Feio
Qual é a relação contratual entre o Estado e a empresa fornecedora do computador "Magalhães"? Quem o modelo de financiamento das iniciativas e-escolas e e-escolinhas? Qual o valor total do Fundo para a Sociedade de Informação e que recursos estão já comprometidos? Está garantida a sustentabilidade dos programas após 2009, em condições de igualdade a todos alunos que ingressem no sistema de ensino?
12 de Dezembro de 2008
PSD/Pedro Duarte
PSD/Pedro Duarte
Confirma o Ministério que a Fundação efectua os acertos de contas dos programas do Estado com as operadoras? De que forma? Quanto já pagaram as operadoras ao Estado? E à empresa JP Sá Couto, no âmbito do e-escolinha? Qual é o actual montante da dívida da FCM à operadoras nos âmbito dos programas? Confirmam um valor de mais de 20 milhões de euros? Quanto já recebeu o Estado das operadoras pelas adesões à banda larga?
O que o Governo foi dizendo sobre o caso
PM respondeu a Rangel
A primeira vez que o Governo falou sobre o caso foi quando o então líder da bancada do PSD, Paulo Rangel, interrogou o primeiro-ministro sobre financiamentos públicos de que tem sido objecto uma "fundação privada", a que apelidou de fantasma, e "que tem sede no Ministério das Obras Públicas". Sócrates deu, então, a garantia de que a fundação é gerida com "total transparência".
Sugestão do novo ministro
Depois do anúncio da Comissão de Inquérito, o novo ministro das Obras Públicas, António Mendonça sugeriu ao PSD que investigasse "os benefícios dos computadores Magalhães" para os jovens.
Mário Lino sobre ASE
Esta semana, na SIC/Notícias, Mário Lino disse que o apoio do Governo ao programa dos 'Magalhães' não retirou dinheiro à acção social escolar, porque houve um reforço da ASE de forma a compensar a transferência.
Pedidos na AR acumulam-se
Desde o início de 2008 que o Governo e outras entidades públicas estão obrigados a responder às questões colocadas pelos deputados da Assembleia da República em 30 dias, que se supõe serem dias úteis, uma vez que tal não é especificado no regimento. No entanto, nesta matéria, o Governo não tem respeitado as regras que a própria maioria socialista aprovou em 2007, deixando milhares de perguntas sem resposta e respondendo a centenas de outras já fora do prazo estabelecido. As incómodas perguntas sobre o Magalhães fazem parte de uma longa lista de espera que continua a crescer na presente legislatura.
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