Se Portugal fosse um país a sério tiraria uma lição sobre o "caso" Dias Loureiro. O "caso" Dias Loureiro coloca-se até hoje num terreno que não é, acima de tudo, o da legalidade. Contrariamente à tese de Pina Moura, a "ética republicana" não se reduz às leis. A legalidade tem termos simples e processos simples. Podem não funcionar ou funcionar mal, mas existe uma linearidade na sua apreciação: violou-se ou não uma lei, verificada em tribunal, após todos os mecanismos da acusação e da defesa serem executados, partindo da inviolável presunção de inocência, do processo devido, da apresentação da prova e do julgamento de um juiz em tribunal. Não é isso que neste momento está em causa.
Também não está em causa qualquer apreciação ética baseada num julgamento de carácter, o que seria uma arrogância inqualificável. Mas sobra um problema no domínio ético-social, ou melhor ético-político, e esse problema pode e deve ser matéria de debate público e justifica o clamor a favor do abandono de Dias Loureiro do Conselho de Estado. Existiu, admitida pelo próprio, uma grosseira violação dos padrões de responsabilidade individual em actos do domínio empresarial, que, ao colocarem na falência um banco que teve que ser nacionalizado, com os contribuintes a terem que pagar milhões de euros do seu bolso, remete para uma responsabilidade pessoal que afecta a credibilidade política. Não precisamos de mais nada do que as declarações de Dias Loureiro na Comissão Parlamentar, explicando como é que assinava as contas do banco, quando ao mesmo tempo tinha dúvidas sobre a sua legalidade, para perceber que estes actos de irresponsabilidade, cujos custos são hoje pagos pelos contribuintes, não são compatíveis com a permanência num órgão de aconselhamento do Presidente da República que vive da confiança. Num empresário sem funções políticas, o problema seria diferente, num político que é também empresário, não é compatível com a permanência em cargos não electivos como o Conselho de Estado.
Mas, se Portugal fosse um país a sério, também haveria idêntico clamor com o governador do Banco de Portugal. Há diferenças, mas há um aspecto comum. As diferenças têm a ver com o interesse próprio: enquanto Dias Loureiro actua como empresário numa lógica de interesse individual (e só se coloca a questão do interesse público porque é membro do Conselho de Estado), Vítor Constâncio actua numa lógica de interesse público. E aqui há um elemento em comum: ambos minimizam as suas responsabilidades num desastre que nos custa a todos milhões de euros. Aqui Constâncio é ainda mais responsável do que Loureiro, porque a clara negligência na actuação do Banco de Portugal, que será certamente sancionada pela Comissão Parlamentar, teve enormes custos sociais. Para além do dinheiro público, todo o edifício da supervisão do Banco de Portugal está abalado nos seus alicerces. A desculpa de que o mesmo aconteceu noutros países não é desculpa. E não é desculpa porque, primeiro, não aconteceu em todos os casos; e, segundo, porque, quando aconteceu, os responsáveis demitiram-se ou foram demitidos.
Não se trata de punir o polícia pelos actos do ladrão que não conseguiu identificar e prender a tempo, trata-se de reconhecer uma responsabilidade individual e institucional num resultado desastroso de que resulta um empobrecimento para todos. Aqui também se trata um cargo não electivo, que vive igualmente de uma confiança que está abalada. Aqui está em causa o mesmo tipo de auto-responsabilização que leva responsáveis por serviços policiais, de informação e de luta antiterrorismo a demitirem-se pelo próprio facto de não terem evitado um atentado. E como sempre, a posteriori, verifica-se que havia sinais premonitórios que não foram vistos com atenção. Também no caso BPN não faltam esses sinais e a vista grossa do Banco de Portugal. Existe por isso responsabilidade individual do seu governador.
Não se trata de punir o polícia pelos actos do ladrão que não conseguiu identificar e prender a tempo, trata-se de reconhecer uma responsabilidade individual e institucional num resultado desastroso de que resulta um empobrecimento para todos. Aqui também se trata um cargo não electivo, que vive igualmente de uma confiança que está abalada. Aqui está em causa o mesmo tipo de auto-responsabilização que leva responsáveis por serviços policiais, de informação e de luta antiterrorismo a demitirem-se pelo próprio facto de não terem evitado um atentado. E como sempre, a posteriori, verifica-se que havia sinais premonitórios que não foram vistos com atenção. Também no caso BPN não faltam esses sinais e a vista grossa do Banco de Portugal. Existe por isso responsabilidade individual do seu governador.
Acresce, numa nota a propósito, que me custa ver a duplicidade com que alguns vociferam contra Dias Loureiro e esquecem que muitos dos seus argumentos se aplicam a José Sócrates. Também aqui há múltiplas responsabilidades, já apuradas, que nada têm a ver com a investigação de corrupção, e que nos deviam preocupar. Colocam-se no mesmo terreno de uma ética pública. Noutros países, que se tomam mais a sério, a presença de familiares aproveitando-se do nome de um governante, com o seu parcial conhecimento, tem-nos levado a demitirem-se. Noutros países, que se tomam mais a sério, o não cumprimento de regras mínimas de procedimento de um governante, como a não comunicação ao Ministério Público de uma tentativa de corrupção que lhe foi relatada pelo tio, também implicaria responsabilidade individual. Etc., etc. Tudo não é o mesmo, mas quem abre muito a boca nuns casos arrisca-se a fazer a cama a outros, mesmo que não o deseje.
Pacheco Pereira no Público de Sábado
2 comentários:
Onde está o bom senso? como é que toda a gente pensa o mesmo e Constâncio continua no lugar onde está?
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