3.8.10

2251


Polémica: Em Abril, procuradores não quiseram ouvir primeiro-ministro

Sócrates imune à investigação

Na reunião de Haia, com as autoridades inglesas, foi recusada a possibilidade de a investigação visar o primeiro-ministro. Equipas mistas rejeitadas.
A reunião em Haia, na sede da Eurojust, em Fevereiro de 2009, marcou o rumo da investigação do caso Freeport. Várias fontes contactadas pelo CM garantem que nesse encontro ficou claro que a investigação ao licenciamento do ‘outlet’ de Alcochete não atingiria José Sócrates. Cândida Almeida, directora do DCIAP, ter-se-á mesmo indignado quando os ingleses sugeriram equipas mistas e mostraram interesse em investigar o actual primeiro-ministro português. A hipótese foi liminarmente recusada e o DCIAP manteve o rumo da investigação: determinar se houve subornos, mas sem que alguma vez se tentasse apurar se foram feitos efectivos pagamentos a membros do Governo.
Ainda segundo o CM apurou, na mesma reunião – realizada por proposta dos ingleses – foi igualmente equacionada a hipótese de as contas bancárias de José Sócrates serem alvo de análise. Mais uma vez, tal possibilidade foi liminarmente recusada.
Além de Lopes da Mota – então director da Eurojust – estiveram na mesma reunião Vítor Magalhães e Pais Faria, os procuradores do processo, bem como Moreira da Silva e Pedro do Carmo, directores adjuntos da PJ. Maria Alice, coordenadora superior, a quem a investigação estava entregue, acompanhou igualmente o encontro.
Depois disso, foram muitas as diligências efectuadas. Mas em nenhuma por alguma vez foi admitida a inquirição ou interrogatório de José Sócrates.
O último plano de diligências que consta no processo – elaborado pela responsável da PJ de Setúbal – é datado de Abril deste ano e enumera uma série de audições e pedido de informação bancária que ainda deve ser efectuada. Maria Alice, responsável da PJ, não incluiu Sócrates no rol de pessoas a ouvir – mas teve o cuidado de sugerir que as mesmas 'poderiam ser complementadas com diligências determinadas pelos magistrados'. Vítor Magalhães e Pais Faria emitiram um despacho onde diziam que 'concordavam integralmente' com o que havia sido sugerido.
Cândida Almeida esteve ontem incontactável. O gabinete da PGR disse ao CM que Pinto Monteiro nunca deu qualquer instrução no processo Freeport, nem na reunião de Haia, 'tendo a directora e os procuradores actuado com total autonomia'.
JUIZ PODIA TER PRORROGADO PRAZO DO SEGREDO DE JUSTIÇA
O prazo dado à investigação não tinha a ver com a realização de diligências mas sim com o levantamento do segredo de justiça, que terminava a 27 de Julho. No entanto, segundo o CM apurou, não foi pedida qualquer prorrogação do prazo ao juiz Carlos Alexandre, a quem o processo está distribuído. O magistrado poderia alargá-lo pelo menos por mais um mês – como, aliás, tem feito noutros processos do género.
A mesma posição foi anteontem defendida por Pinto Monteiro em comunicado. 'Nem a Directora do DCIAP, nem os magistrados titulares do processo requereram qualquer prorrogação de prazo ou invocaram a necessidade da realização de qualquer diligência', afirmou.
DESPACHO GERA DESENTENDIMENTO
A inclusão, no despacho final do caso Freeport, das perguntas que deveriam ser feitas a José Sócrates causou um diferendo de entendimento no DCIAP. Cândida Almeida não concordou com a inclusão das 27 perguntas, da responsabilidade de Pais Faria e Vítor Magalhães, e terá feito saber aos procuradores qual era a sua opinião. Face à aparente impossibilidade de chegarem a acordo e porque também não queria avocar o processo – o que a obrigaria a que fosse ela a elaborar o despacho final –, Cândida Almeida optou por deixar claro que caso as mesmas se realizassem o despacho não seria alterado. 'Das respostas eventualmente obtidas não resultariam alterações de fundo aos juízos indiciários, próprios desta fase, que subjazem ao despacho de arquivamento e de acusação deduzidos', lê-se também no mesmo documento.
Cândida Almeida deixou, no entanto, no ar a possibilidade de o processo ser reaberto. 'Foi levada a cabo uma cuidada e profunda análise da prova produzida e de diligências encetadas ainda sem resposta, por dependerem da cooperação internacional em matéria penal. Uma vez recebidas e caso determinem a alteração da decisão ora tomada, reabrir-se-á os autos', diz.
EQUIPA ESPECIAL DO DCIAP
O processo Freeport foi avocado pelo DCIAP em 2008 ao Tribunal do Montijo. Manteve-se a delegação de competências na PJ de Setúbal mas, há quase um ano, um despacho do procurador-geral da República determinava a criação de uma equipa especial. A mesma equipa, constituída por vários elementos da PJ, entre eles a responsável pelo departamento de Setúbal, foi trabalhar para a sede do DCIAP, na Alexandre Herculano. Trabalharam directamente sob as ordens dos procuradores, e foi com alguma surpresa que foi recebida a determinação de que deveria ser a PJ a elaborar o relatório final.

Sem comentários: