Evidentemente que existe uma situação grave em Portugal. Ela é da responsabilidade política dos que têm dirigido o país e daqueles mais directamente influenciam os governantes. João Salgueiro está nos dois grupos. Ele tem uma grande responsabilidade na situação económica do país, quer como governante, quer como empresário, quer intelectual do regime.
Todavia, fala como se nada tivesse a ver com o que se passa. E mais do que isso: faz críticas demagógicas a soluções que ele próprio ajudou a tomar. A desqualificação da administração pública e o ataque aos funcionários públicos fez parte da estratégia neoliberal de enfraquecimento do Estado.
João Salgueiro é e foi um dos seus grandes propagandistas. Pois agora é o mesmo João Salgueiro que se vem lamentar da falta de competência técnica dessa mesma administração, da sua substituição pelos boys dos gabinetes e do recurso a gabinetes de consultores para substituição de uma e de outros. E é esse mesmo João Salgueiro que agora se vem queixar da ausência de acompanhamento científico dos empresários agrícolas por essas valências do Ministério da Agricultura terem sido praticamente desactivadas.
João Salgueiro apoiou, como praticamente todos os economistas do establishment, a adesão ao euro. Pois é esse mesmo João Salgueiro que agora vem dizer que essa adesão pressupunha um nível de competitividade que na realidade não tínhamos nem temos.
Salgueiro fala ainda na dívida, como se a dívida resultasse da decisão perversa de uns quantos que querem comprometer o futuro do país, e não fosse antes a consequência de um processo de acelerada concentração capitalista e de iníqua distribuição de rendimentos, que somente mediante o recurso permanente ao crédito se pode manter. De facto, tendo o capitalismo neoliberal acabado com qualquer hipótese de democracia económica, mas tendo simultaneamente criado a ilusão de que ela existe, o recurso ao crédito apresenta-se como o único meio possível de manter os níveis de consumo e crescimento de que o sistema necessita para sobreviver.
A dívida não é, portanto, apenas do Estado, mas também das empresas e das famílias. Se o recurso ao crédito cessar, mantendo-se os actuais parâmetros de distribuição de rendimentos, o sistema colapsa.
Este capitalismo não tem saída. Mas já se viu que ninguém o consegue mudar por um processo idêntico ao do New Deal. Hoje, os interesses que se opõem à mudança são consideravelmente mais fortes do que eram na década de 30 do século passado. E os agentes de transformação social são incomparavelmente mais fracos.
Não haja ilusões: o mal está a tocar todos os países capitalistas, a começar pela América. Mas já se alastrou a toda a Europa. Primeiro atinge os mais frágeis, mas a seguir virão os outros. As grandes crises económicas e sociais arrastam consigo transformações políticas inevitáveis. Mas não há nenhuma razão para supor que essas transformações irão no sentido progressista. As transformações progressistas não surgem do nada, surgem da luta. E como essa luta não existe, nem tem condições para tão cedo se estruturar, as modificações políticas que ocorrerem irão certamente no sentido oposto, campo onde o consenso ideológico é muito mais facilmente alcançável
JM Correia Pinto no POLITEIA
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