As dívidas cujo prazo de prescrição terminou antes de 1999 podem estar perdidas
Tribunal admite prescrição de dívidas do Plano Mateus
Diversos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) consideram inconstitucional uma norma do "Plano Mateus" de 1996 para regularização excepcional de dívidas fiscais.
Na altura, aderiram milhares de contribuintes. Mas o STA defende que parte das dívidas pode ter prescrito. O representante do Fisco já recorreu para o Tribunal Constitucional.
O que está em questão neste caso é se a adesão dos contribuintes àquele plano excepcional de regularização de dívidas em prestações suspendeu ou não os prazos legais de prescrição. E a tese defendida nos acórdãos 528/09, 962/09 e 1017/09 é bastante polémica, ao dizer que, no caso concreto do "Plano Mateus", isso não se verifica.
As dívidas fiscais ou à Segurança Social têm prazos de prescrição distintos. Ao fim de oito anos, no primeiro caso, e de cinco anos, no segundo, essas dívidas prescrevem. Estes prazos suspendem-se quando se verifica o seu pagamento em prestações.
Um plano polémico
O "Plano Mateus" surgiu publicamente como fruto da reclamação nos anos 90 de muitas empresas que apresentaram avultadas dívidas fiscais e à Segurança Social. Exigir o seu pagamento poderia - dizia-se então - pôr em causa a sua viabilidade.
Mas os clubes de futebol estavam igualmente nesse grupo. Os tempos finais do cavaquismo foram inclusivamente palco de um levantamento dos apoiantes do FC Porto, quando o Fisco penhorou partes do estádio (incluindo os sanitários) para cobrar uma dívida.
Em 1996, o Governo Guterres aprovou um esquema excepcional de regularização das dívidas fiscais. O diploma previa que "o prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em prestações". Milhares de contribuintes e empresas aderiram e o Estado recebeu então, ao longo de vários exercícios, quantias avultadas de recursos fiscais que, de outra forma, poderiam ter-se perdido.
A adesão dos clubes ao "Plano Mateus" foi autorizada em 1998 e rodeou-se de uma polémica que ainda vive. Liga e Federação debatem-se nos tribunais para não pagar as dívidas exigidas pelo Estado e têm perdido as acções.
A tese agora defendida vem, contudo, ao encontro dos clubes e promete mais polémica. Um dos relatores - o actual presidente do STA - foi até há poucos anos dirigente do FC Porto e dos corpos sociais da Federação Portuguesa de Futebol (ver texto ao lado).
O que os acórdãos contestam é o facto de o Governo ter legislado nessa altura sobre matérias da competência do Parlamento. E os prazos de prescrição eram uma delas. Assim sendo - defendem os magistrados - esses prazos não podiam ter sido suspensos. E por isso, mesmo estando o contribuinte a pagar as suas dívidas a prestações, estas podem ter prescrito entretanto. Mas isso apenas se verificou se o prazo de prescrição terminou até 31 de Dezembro de 1998. A partir de 1 de Janeiro de 1999, a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Parlamento, previu explicitamente: "O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas".
Acórdão "inconstitucional"
Mas esta tese não reúne o consenso de todos os magistrados do STA. Num dos acórdãos, há uma declaração de voto vencido que questiona a inconstitucionalidade da disposição do "Plano Mateus".
O juiz Jorge Lino defende, primeiro, que o entendimento sobre a "inconstitucionalidade orgânica da norma em foco é, ele próprio, violador do princípio constitucional da igualdade de tratamento em relação aos contribuintes cumpridores". Depois, o "Plano Mateus" previu, sim, "um regime excepcional de suspensão da prescrição, e não uma cláusula geral de suspensão da prescrição".
O regime geral foi mantido, "a não ser que o contribuinte faça opção - no âmbito da sua inteira liberdade e autonomia - pelo pagamento diferido das suas dívidas para com o Estado". Ou seja, a norma não é um ataque às garantias dos contribuintes, mas "um alargamento" das suas garantias.
Independentemente de quem tem razão, os acórdãos ameaçam suscitar acções de contribuintes cujas dívidas prescreveram até finais de 1998. Para já, o representante da Fazenda Pública já requereu a apreciação da questão ao Tribunal Constitucional.
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