REESTRUTURAÇÃO DA LISNAVE
Lisnave. Estado "camuflou despesa" de 214 milhões de euros
por Ana Suspiro
O Tribunal de Contas diz que a despesa de aquisição aos bancos, realizada em 2008, foi "camuflada" como encargo de dívida pública. Em causa está o atraso no desenvolvimento imobiliário da antiga Lisnave, em Almada
O Estado pagou 214,4 milhões de euros aos bancos credores da Lisnave para comprar as participações que estes detinham no Fundo Margueira, que ficou com os terrenos da Lisnave em Almada. O negócio, concretizado em 2008, é descrito na conta geral do Estado do Tribunal de Contas (TC) que diz que o Estado "camuflou" a despesa, ao classificá-la como encargos de dívida pública e não como despesa de activo financeiro.
A operação remonta a 1997, ano em que foi assinado o acordo entre o Estado e o Grupo Mello para a reestruturação da Lisnave. Um dos pontos deste compromisso passou pela constituição de um fundo imobiliário, a Margueira, para onde foram transferidos os terrenos e edifícios da Lisnave, sobretudo em Almada, que foram desafectados da actividade industrial, entretanto transferida para Setúbal. Os credores da empresa, o Estado e vários bancos, ficaram com unidades de participação do Fundo Margueira a título de reembolso das dívidas.
O plano passava por explorar o potencial imobiliário dos terrenos e usar as receitas para pagar aos credores da Lisnave. Só que por várias razões, entre as quais a oposição da Câmara Municipal de Almada aos projectos para aquele espaço - o mais conhecido foi baptizado de Manhattan de Cacilhas devido à altura das torres - não chegou a concretizar-se qualquer empreendimento imobiliário na área. Em 2005, chega ao fim o prazo inicial negociado com os bancos e, nos termos do acordo, o Estado é obrigado a recomprar as unidades de participação no Fundo dos 49% que não detinha e que estavam nas mãos do BCP, Caixa Geral de Depósitos, Totta e BPI. Na altura, o Ministério das Finanças tutelado por Manuela Ferreira Leite, negoceia a dilatação do prazo com os bancos: apenas o Totta recusou e preferiu sair.
Em meados de 2008, "como o fundo não tinha alcançado os seus objectivos de valorização de activos, o Estado adquiriu as unidades de participação que à data, Junho de 2008, estavam na posse de vários bancos e da Parque Expo", explica o TC. Apesar de defender que o "Estado tinha e cumpriu, como devia, uma obrigação assumida perante os bancos credores da Lisnave", o órgão liderado por Oliveira Martins deixa dois reparos.
Em primeiro lugar, a despesa associada, no montante de 214,4 milhões de euros, não pode ser classificada como encargos com amortização de dívida pública directa, mas sim como activos financeiros. Em segundo lugar, "a transferência para a Parque Expo destas unidades de participação, a três dias da sua aquisição pelo Estado através do Instituto de Gestão da Tesouraria e Crédito Público (IGTCP), camuflou uma despesa de activos financeiros, ao ser incorrectamente classificada como encargos com amortização de dívida pública". O TC diz que não foi apresentada qualquer justificação para o facto destes títulos, dos quais parte foi usada para realizar um aumento de capital da Parque Expo, serem considerados dívida pública. O IGTCP disse ao tribunal ter seguido indicações da Direcção Geral do Tesouro.
Especialistas em Finanças Públicas contactados pelo i, admitem que o procedimento adoptado para contabilizar a transacção não será o mais transparente, mas não terá tido efeito no défice, até porque o Estado recebe os proveitos dos futuros projectos. A mesma tese é defendida por fonte oficial das Finanças ao i, que, contudo, volta a não explicar esta escolha contabilística. "A posição veiculada pelo Tribunal de Contas exprime somente uma divergência na forma de registo da operação mencionada, decorrente de diferentes opções de natureza contabilística. Estas opções contabilísticas, em qualquer caso, não afectam o défice público, uma vez que se trata de activos financeiros".
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