14.5.11

A justiça que temos

I - O crime de Violação, previsto no artigo 164.º, n.º 1, do CP, é um crime de execução vinculada, i.é., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir.
II – O agente só comete o crime se, na concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, se debater com a pessoa da vítima, de forma a poder-se falar em “violência”.
III – A força física destinada a vencer a resistência da vítima pressupõe que esta manifeste de forma positiva, inequívoca e relevante a sua oposição à prática do acto.
IV – A recusa meramente verbal ou a ausência de vontade, de adesão ou de consentimento da ofendida são, por si só, insuficientes para se julgar verificado o crime de Violação.




Tendo o legislador optado, como se disse, por criminalizar, nos casos de coacção sexual e na violação, apenas as situações de atentados à liberdade sexual que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência e não os casos de prática de actos sexuais de relevo apenas praticados sem o consentimento da vítima maior de idade, não configurando o “empurrão” sofrido pela ofendida por acção física do arguido um acto de violência que atente gravemente contra a liberdade da vontade da ofendida, impõe-se a absolvição do arguido, na medida em que a matéria de facto provada (com as modificações introduzidas) não preenche os elementos objectivos do tipo do crime de violação.

Tudo o que foi dito não exclui, naturalmente, a censurabilidade da conduta do arguido em termos deontológicos, éticos e até sociais.
Porém aqui e agora, só releva o juízo de censura penal que, em face da matéria de facto provada, não é passível de realização, sob pena de se pôr definitivamente em causa a fragmentaridade da tutela penal e, pior ainda, a sua necessidade.
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Face ao exposto, ficam prejudicadas as questões suscitadas nos restantes recursos, em especial no recurso da assistente/demandante, na medida em que, atento o princípio da adesão consagrado nos artºs 71º e 377º do C.P.P., sendo o arguido absolvido da acusação em relação ao crime de violação, o pedido cível formulado só podia ser considerado se existisse ilícito civil, o que não é o caso em discussão.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, alterando-se a matéria de facto nos termos supra referidos, revogam o acórdão recorrido, absolvendo o arguido do crime por que foi condenado, bem como do pedido cível formulado pela assistente/demandante C….
Custas pela assistente/recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s.
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Porto, 13 de Abril de 2011
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
José Manuel da Silva Castela Rio
José Manuel Baião Papão (vencido conforme declaração de voto junto)

DECLARAÇÃO DE VOTO

Discordo da parte em que a decisão que fez maioria eliminou do elenco dos factos provados qualquer referência ao facto de o arguido ter actuado sabendo que o fazia contra a vontade da ofendida.
Entendo, por mim, que os factos que subsistem como provados e as regras da experiência conduzem à conclusão contrária.
Se a eliminação do termo “reagiu”, no segmento “A ofendida reagiu” (cfr. § 7º), a aceito estritamente como supressão de um conceito conclusivo que, enquanto tal, não deve constar de uma enumeração de factos, já o que resta no § 7º (“A ofendida levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída, …”, isto após a prática do coito oral) configura, a meu ver, uma clara e objectiva manifestação de vontade de repúdio do acto antecedente e de recusa de qualquer outro acto de tipo libidinoso.
Esta manifestação de discordância da ofendida esteve ao alcance da percepção directa do arguido, o qual, não obstante o seu egocentrismo e pouca sensibilidade à gravidade das situações que podem afectar outrem, tinha capacidade para valorar as suas atitudes, compreender a natureza lícita ou ilícita dos seus actos e conhecer as consequências do seu comportamento.
Afigura-se-me, assim, quanto à eliminação do parágrafo 11º dos factos provados do acórdão recorrido, haver erro na apreciação da prova.
Com efeito, a medida de credibilidade conferida, e bem, à assistente, e a soma de padecimentos morais que foram consequência causal da conduta do arguido − médico psiquiatra em quem ela confiara para tratamento de uma depressão e a cujo consultório se dirigira naquela data −, justificaria até a conclusão de que tudo o que se passou, a partir do momento em que o mesmo dela se aproximou e lhe exibiu o seu pénis erecto, se passou efectivamente num registo contrário à vontade da mesma
Como quer que seja, a eliminação do conhecimento desse facto por parte do arguido do elenco dos provados, afastando embora a imputação das modalidades mais graves do dolo, não pode ter por implícito que também se não verificou o dolo eventual.
Com o que haveria ainda que indagar, e responder, sobre se o arguido, ao menos, representou como consequência possível da sua conduta a ofensa da liberdade de determinação sexual da assistente e se, tendo-o representado, se conformou com tal eventualidade.
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Isto posto, deixo ainda consignada a minha divergência relativamente à forma como a decisão maioritária interpretou e configurou algumas das situações de facto dadas por provadas. 
A págs. 62 do acórdão afirma-se: “…, não se vislumbra como é possível considerar o acto de agarrar a cabeça como traduzindo o uso de violência de modo a constranger alguém à prática de um acto contra a sua vontade” (sublinhado nosso), isto no que respeita ao coito oral. 
Por nós, temos por lógico que ao manietar a cabeça da ofendida o arguido a impediu de se furtar ao contacto com o pénis erecto, e que por essa via, através do emprego de força física, que ele logrou concretizar o pretendido coito oral. 
Se a isto acrescentarmos que a ofendida, grávida de 34 semanas e por isso fortemente limitada na sua agilidade, estava sentada no sofá, e que ele lhe apareceu assim, descomposto, de sopetão, no contexto de uma consulta de psiquiatria, temos por nós que o arguido usou da sua força física na medida requerida pelas circunstâncias para poder constranger a assistente a suportar o coito oral. 
Seguidamente a assistente levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída, a qual não conseguiu alcançar por ter sido agarradapelo arguido, que em seguida a virou de costas e a empurrou na direcção do sofá, fazendo-a debruçar-se sobre o mesmo, baixou-lhe as calças de grávida e introduziu o pénis erecto na vagina até ejacular. 
Mais uma vez o emprego de força física na medida requerida pelas circunstâncias para conseguir constranger a assistente, desta vez a suportar a cópula.
As regras da experiência comum conduzem-nos a considerar que a capacidade de resistência da assistente estava aqui, neste episódio, acrescidamente diminuída por estar praticamente no último mês de gravidez (o parto veio a ocorrer à 37ª semana, por cesariana – cfr. doc. a fls. 237 dos autos), período em que se aconselha à mulher que na prática de relações sexuais observe o maior cuidado para evitar o risco da precipitação do trabalho de parto.
O conceito de violência ínsito a uma violação conhece gradações que vão até à brutalidade física e à crueldade, mas que podem partir de um ponto em que “o ofensor usa apenas a força necessária” para atingir o objectivo da conquista sexual e controlar a vítima ou “que considerar necessária para superar a resistência da vítima e para a tornar indefesa” − cfr. “Caracterização do Violador Português” de Maria Francisca Rebocho, ed. Almedina, págs. 61/62.
Acresce que a aparentemente fruste resistência da assistente é inteiramente compatível com o estado de fragilização em que então se encontrava, decorrente da sua doença depressiva e do seu avançado estado de gravidez.
Não se concede que este tipo de resistência concordante com uma tal fragilização pudesse ter sido interpretada erradamente como “consentimento” pelo médico psiquiatra assistente da ofendida, que acompanhava a sua doença e as preocupações da mesma relacionadas com a gravidez, desde há vários meses.
Também não posso acompanhar a afirmação que consta a págs. 63 da decisão que fez vencimento, de que − “Para que o empurrão na ofendida integrasse o conceito de violência, visada como elemento objectivo do crime de violação, teria de traduzir um “plus” relativamente à força física normalmente utilizada na prática de um acto sexual”, − desde logo porque no caso em apreço estamos perante uma situação verdadeiramente abnorme, de a assistente ali se ter dirigido para mais uma consulta de psiquiatria para tratamento da sua depressão, ou seja, buscando ajuda médica especializada para compreender o seu estado de doença e desenvolver a sua auto-estima.
A forma como o arguido perverteu esta finalidade e converteu a consulta num processo de satisfação de impulsos libidinosos, impede-me de avaliar as comprovadas atitudes e comportamentos de ambos os intervenientes segundo um padrão de normalidade.
Acresce que a força física necessária e suficiente para lograr constrangê-la actuou não apenas por via de um empurrão, já que foi ele que a agarrou, a virou, a empurrou e fez debruçar-se.
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Na conformidade de tudo o exposto, decidiria pela confirmação do acórdão recorrido quanto à questão da culpabilidade e conheceria do mérito do recurso interposto pelo Ministério Público quanto à questão da determinação da sanção.
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Finalmente, perante a decretada absolvição penal e face ao preceituado nos artigos 377º nº 1 do CPP e 483º do Código Civil, considerando que a conduta do arguido envolve uma grave violação de deveres deontológicos e disciplinares e que a mesma foi causal de danos morais relevantes para a assistente/demandante, creio que se justificaria analisar a responsabilidade civil no plano da culpa e, com isso, o mérito do recurso da demandante.

José Manuel Baião Papão

leia o acórdão na íntegra, que vale a pena aqui

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13-04-2011476/09.0PBBGC.P1EDUARDA LOBOVIOLAÇÃO

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