Investimento
‘Barão’ recebe subsídio a seis dias das eleições
Apois do Estado ascendem a 127,9 milhões de euros.
- Por:António Sérgio Azenha/ Carlos Ferreira
O Governo reconheceu a fábrica de painéis solares do empresário Alexandre Alves, que será instalada em Abrantes, como Projecto de Interesse Nacional (PIN) a 14 de Setembro de 2009, apenas seis dias antes das eleições legislativas. Com esta decisão, o projecto do chamado ‘Barão Vermelho’ obteve um apoio do Estado de 127,9 milhões de euros. E tudo isto numa altura em que os seus negócios eram investigados pelo Ministério Público e os seus bens tinham sido alvo de uma decisão de arresto por parte do Tribunal Tributário de Lisboa (ver caixa).
A candidatura da RPP Solar a PIN deu entrada na AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal a 21 de Julho de 2009. A Comissão de Avaliação e Acompanhamento dos Projectos de Potencial Interesse Nacional (CAA-PIN) dispunha – nos termos do nº 6 do artigo 6º do regulamento do sistema PIN previsto no decreto-lei 184/2008 – de 30 dias úteis, contados a partir da entrega do requerimento, para tomar uma decisão. O prazo foi ultrapassado.
Só a 14 de Setembro, cerca de duas semanas após o termo do prazo, a CAA-PIN se pronunciou sobre o projecto do empresário. E, segundo a própria AICEP, o resultado não deixou dúvidas: 'A decisão foi tomada por unanimidade por esta Comissão [CAA-PIN] e não por qualquer responsável político.' A AICEP, presidida por Basílio Horta, frisa ainda que a CAA-PIN, nos termos do regulamento do Sistema PIN, 'é composta por representantes da AICEP, que coordena, do IAPMEI, do Turismo de Portugal, da Agência Portuguesa do Ambiente, do ICN da Natureza e da Direcção-Geral de Ordenamento do Território'. E garante que 'a entidade beneficiária dos apoios é a RPP Solar, tendo aquela demonstrado cumprir as condições para a aprovação dos incentivos, nomeadamente ter todas as suas contribuições pagas e em dia'.
Por isso, frisa a AICEP, 'não havendo neste momento matéria formal que o justifique, a Agência não tenciona rescindir o contrato [com a RPP Solar]'. Mesmo assim, o organismo liderado por Basílio Horta garante que, 'mesmo após a utilização dos incentivos, se se vier a verificar incumprimento do contracto estes terão de ser devolvidos' ao Estado.
EX-AUTARCA APOIA COMPRA DA TERRA
Os apoios à RPP Solar foram aprovados quando a Câmara de Abrantes era liderada pelo socialista Nelson Carvalho, que é agora director de Formação e Projectos Especiais da RPP Solar.
O ex-autarca reconhece ter feito 'tudo o que estava ao seu alcance' para que a RPP Solar fosse instalada no concelho. E, no caso da compra do terreno, diz que a autarquia fez um bom negócio, 'face ao objectivo e à oportunidade'.
SALVAGUARDAR OS INTERESSES
Os eleitos locais não questionaram o projecto (por exemplo, ao nível da capacidade financeira) nem salvaguardaram os interesses do município caso os acordos não venham a ser cumpridos.
DOS RETAIL PARKS PARA A RPP SOLAR
Na assembleia municipal de 17 de Julho de 2009 foi aprovado o protocolo de cooperação entre o município e a RPP Solar (por via da RPP-Retail Parks de Portugal, SGPS, SA).
DEPUTADOS COM POUCAS DÚVIDAS
Naquela assembleia, o deputado Belém Coelho (PSD) perguntou se o protocolo não devia ter uma cláusula de compensação no caso de incumprimento parcial ou total. Ficou sem resposta.
SAIBA MAIS
ARQUIVADO
O antigo presidente da Câmara de Abrantes Nelson Carvalho viu ser agora arquivado um processo judicial de 2007, em que era arguido, por causa de alegadas irregularidades na construção do aterro sanitário em Concavada.
1800
é o número de postos de trabalho que a RPP Solar se compromete a criar na unidade de painéis solares, em construção junto à central do Pego.
300
é o número de empregos destinados a engenheiros e quadros superiores da empresa, que terá de contratar, maioritariamente, mão-de-obra local e regional.
MUDANÇA CRITICADA
O facto de Nelson Carvalho ter aceitado o cargo de director de Formação e Projectos Especiais da RPP Solar, apenas nove meses após ter deixado a autarquia, foi muito criticado pela oposição na última assembleia municipal. 'Uma atitude eticamente deplorável', disse Gonçalo Vieira (PSD).
TERRENO SAI CARO À CÂMARA
A Câmara de Abrantes gastou 1,240 milhões de euros para ficar na posse do terreno que depois vendeu, por apenas cem mil euros, à empresa de painéis solares RPP Solar, presidida por Alexandre Alves, o ‘Barão Vermelho’. Como a Comissão de Avaliação Municipal considerou que a propriedade valia apenas 663 mil euros, a autarquia despendeu quase o dobro.
Além de ter pago no acto da escritura, a 1 de Outubro de 2009, um milhão de euros pelo terreno, situado junto à central do Pego, e recebido, no mesmo dia, apenas 103586 euros pela venda; a Câmara teve de assumir a extinção de um arrendamento florestal com a Silvicaima-Sociedade Silvícola Caima, SA, pagando para o efeito 240 mil euros. E ainda poderá ter de despender mais 53 mil euros, pelo cancelamento de um projecto de florestação negociado entre a proprietária e o Ministério da Agricultura, com validade até 2014.
Acresce também que se, no prazo de dez anos, for alterada a actual classe agro-florestal do terreno, com 82,875 hectares, o Município de Abrantes terá de pagar à vendedora metade das mais-valias geradas relativamente ao milhão de euros do negócio, consumado a dez dias das eleições autárquicas.
Quando estas decisões foram aprovadas era presidente da Câmara Nelson Carvalho, actual director de Formação e Projectos Especiais da RPP Solar. O ex-autarca reconhece ter feito “tudo o que estava ao seu alcance” para que a empresa, um investimento de mil milhões de euros, fosse instalada em Abrantes. E, no caso da compra do terreno, considera que a autarquia fez um bom negócio, face ao objectivo e à oportunidade, tanto mais que a vendedora chegou a pedir “1,5 e dois milhões de euros”; embora admitindo que, noutras circunstâncias, o valor de compra pudesse ser inferior.
A provar a razão do ex-autarca nesta matéria está uma propriedade situada em São Miguel do Rio Torto, Abrantes, constituída por dois montes, com possibilidade de construção de 125 fogos e uma área de 63,850 hectares, posta à venda por 475 mil euros.
AUTARCA EM CONTACTOS
Nos seis meses que antecederam o dia 20 de Outubro de 2009, data em que presidiu à sua última reunião de Câmara, Nelson Carvalho (PS) desdobrou-se em contactos para conseguir instalar a RPP Solar no concelho, que deverá criar 1800 postos de trabalho, 300 dos quais correspondentes a engenheiros e quadros superiores. O entusiasmo do ex-autarca parece ter contagiado a Câmara e a Assembleia Municipal, que aprovaram todas as suas propostas por unanimidade, sem questionar o projecto – por exemplo ao nível da capacidade financeira - ou salvaguardar os interesses do Município, caso os acordos não venham a ser cumpridos pela empresa liderada pelo ‘Barão Vermelho’.
Na Assembleia Municipal de 17 de Julho de 2009, em que foi aprovado o protocolo de cooperação entre o Município e a RPP Solar (por via da RPP-Retail Parks de Portugal, SGPS, SA), apenas o deputado Belém Coelho (PSD) perguntou se o documento não devia ter uma cláusula de compensação, no caso de incumprimento parcial ou total. O presidente da Câmara não desfez a dúvida. No protocolo, a autarquia compromete-se a isentar a RPP Solar das taxas urbanísticas e a conceder-lhe todas as licenças e autorizações. E mais, permite a transmissão de “todos os direitos, benefícios, incentivos, apoio e colaboração” às empresas participadas da RPP Solar envolvidas no projecto de painéis solares. Alexandre Alves fica com uma única obrigação, a elementar, concretizar o projecto. O empresário diz que conseguiu parte do financiamento “na banca estrangeira”, a que juntou algum capital próprio. E garante a sustentabilidade do empreendimento “com o faseamento do investimento e o reinvestimento dos lucros obtidos”.
EX-VEREADORA MANTÉM CONFIANÇA
A actual presidente da Câmara de Abrantes, Maria do Céu Albuquerque (PS), era vereadora, responsável pela Divisão de Desenvolvimento Económico, entre outras áreas, no mandato em que a autarquia acolheu as ideias do ‘Barão Vermelho’. Hoje continua a defender o projecto, que considera “um investimento importante, da maior relevância para a região”, pelos postos de trabalho que vai criar e por se situar na área das energias renováveis. A RPP Solar, salienta a autarquia, implicará a qualificação tecnológica do concelho e do tecido empresarial e permitirá a criação de um cluster de energia. Alexandre Alves chegou a anunciar o início da produção para Janeiro último, garantindo agora que começará ainda neste mês de Julho, ocupando de imediato 670 trabalhadores.
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