«Entre Janeiro e Julho de 2007, Charles Smith foi interrogado quatro vezes por investigadores ingleses sobre o conteúdo do DVD gravado em Março de 2006 em que surge numa conversa a admitir que subornou José Sócrates. E das quatro vezes, segundo apurou o Expresso, o sócio da Smith&Pedro declarou que mentiu sobre o assunto, explicando os contornos que o levaram a inventar um enredo de corrupção envolvendo o então ministro do Ambiente e actual primeiro-ministro português. O escocês queria que o Freeport pagasse o que lhe devia.
O antigo consultor do Freeport, contratado para garantir a aprovação do projecto de outlet em Alcochete, começou por ser confrontado com a transcrição completa do DVD (que tem ao todo 29 minutos) quando no início de 2007 uma equipa de advogados do grupo inglês veio a Portugal interrogá-lo. Essa equipa questionou-o mais duas vezes ao longo dos meses seguintes, antes de produzir um relatório de 330 páginas totalmente dedicado a verificar se o que lá vem dito corresponderia à verdade, tendo ouvido também todos os funcionários ingleses envolvidos no projecto de Alcochete e vasculhado um a um os pagamentos, facturas e movimentações de dinheiro do Freeport e da Smith&Pedro em Portugal.
O extenso e exaustivo relatório da Dechert, a firma de advogados do Freeport, foi feito já depois de Sean Collidge ter sido afastado das funções de presidente do grupo (por indícios de desvio de dinheiro, má conduta e abuso de posição) e foi incluído na inquirição que a polícia de Londres fez a Charles Smith a 17 de Julho de 2007 durante mais de quatro horas.
A transcrição completa do DVD foi o último de dez documentos com que o escocês foi confrontado nesse dia pela polícia em Londres, tendo o actual arguido no processo português reafirmado o que dissera aos advogados.
De acordo com documentos que constam da investigação em Inglaterra, a história do vídeo com Charles Smith começou na verdade um ano antes de ele ter sido filmado em segredo (a 7 de Março de 2006) por um administrador inglês, Alan Perkins.
A viagem ao Mónaco O sócio da Smith&Pedro viajara até ao Mónaco no dia 27 de Janeiro de 2006 para ir ao encontro de Sean Collidge, que ainda não sabia que estava a dois meses de ser afastado do Freeport e que decidira transferir a sede da administração de Londres para Monte Carlo. Na reunião que teve com o presidente do grupo — em que estavam presentes os administradores Alan Perkins e Gary Russell — Charles Smith confrontou Collidge com a investigação aberta em Fevereiro de 2005 em Portugal por suspeitas de corrupção e que o facto de ter havido buscas no Freeport e na Smith&Pedro em Alcochete poderia pôr ambas as empresas numa situação fiscal delicada.
O escocês afirmou estar preocupado com a contabilidade, porque o IVA dos contratos entre as duas empresas não tinha sido pago. Smith queria acertar a facturação e obter os valores do IVA, exigindo o pagamento de centenas de milhares de euros, ao mesmo tempo que reclamava uma série de pagamentos em atraso relativos a prémios de execução ( success fees) pelo cumprimento de várias fases de desenvolvimento do outlet de Alcochete. Collidge considerou que esses pagamentos não faziam qualquer sentido, uma vez que os prazos assentes nos contratos não foram respeitados.
Smith contou aos investigadores que teve uma conversa posterior com Alan Perkins, no mesmo dia, no aeroporto de Nice, em que o administrador teria, alegadamente, sugerido ao escocês que arranjasse uma manobra para obter o dinheiro. O que terá levado à história do DVD, em que Smith fala que entregou um suborno de 150 mil euros, ao longo de dois anos, a um primo de José Sócrates, pago em dinheiro vivo, em parcelas de três a quatro mil euros retiradas das contas da Smith&Pedro.
Segundo a Dechert, os levantamentos de dinheiro referidos no vídeo nunca existiram nem houve nenhuma transacção suspeita nos três milhões de euros pagos pela Freeport à Smith&Pedro ao longo de três contratos e de vários anos. A investigação dos advogados concluiu, por isso, que as alegações contidas no DVD não eram verdadeiras. Conclusões que, ironicamente, podem ser uma boa notícia para o escocês: se por um lado servem de constatação de que foi apanhado a mentir, por outro significam que não participou num acto de corrupção, livrando-o de uma pena de prisão.
Pelo contrário, a TVI noticiou ontem que a polícia inglesa terá provas de levantamentos em dinheiro de Smith para pagar subornos.
O relatório da Dechert, de qualquer modo, considerou que as razões dadas por Smith para ter inventado o enredo sobre Sócrates não eram sólidas e careciam, eventualmente, de esclarecimentos adicionais, daí os advogados recomendarem o envio da informação para a polícia, o que veio a acontecer.
Alan Perkins, que acabaria acusado de usar o DVD como forma de chantagem contra a nova administração do Freeport quando negociou a sua saída no final de 2006, admitiu não estar totalmente convencido de que o conteúdo do DVD fosse falso. Há sobretudo uma pergunta simples que fica no ar e que o Ministério Público e a PJ estão proibidos de fazer, por não poderem abordar nas inquirições uma prova considerada ilegal em Portugal: como é que alguém, sabendo que tinha sido aberta em 2005 uma investigação sobre suspeitas de corrupção envolvendo o nome de Sócrates, inventa, um ano depois, uma história precisamente de corrupção com Sócrates? Gary Russell, um dos administradores do Freeport envolvido no outlet de Alcochete, encontrou uma explicação simples quando também foi ouvido: “É um idiota”. » [Expresso assinantes]
1 comentário:
UMA NOTÍCIA QUE A ESPOSA DO SENHOR MONIZ NÃO LEU
«Entre Janeiro e Julho de 2007, Charles Smith foi interrogado quatro vezes por investigadores ingleses sobre o conteúdo do DVD gravado em Março de 2006 em que surge numa conversa a admitir que subornou José Sócrates. E das quatro vezes, segundo apurou o Expresso, o sócio da Smith&Pedro declarou que mentiu sobre o assunto, explicando os contornos que o levaram a inventar um enredo de corrupção envolvendo o então ministro do Ambiente e actual primeiro-ministro português. O escocês queria que o Freeport pagasse o que lhe devia.
O antigo consultor do Freeport, contratado para garantir a aprovação do projecto de outlet em Alcochete, começou por ser confrontado com a transcrição completa do DVD (que tem ao todo 29 minutos) quando no início de 2007 uma equipa de advogados do grupo inglês veio a Portugal interrogá-lo. Essa equipa questionou-o mais duas vezes ao longo dos meses seguintes, antes de produzir um relatório de 330 páginas totalmente dedicado a verificar se o que lá vem dito corresponderia à verdade, tendo ouvido também todos os funcionários ingleses envolvidos no projecto de Alcochete e vasculhado um a um os pagamentos, facturas e movimentações de dinheiro do Freeport e da Smith&Pedro em Portugal.
O extenso e exaustivo relatório da Dechert, a firma de advogados do Freeport, foi feito já depois de Sean Collidge ter sido afastado das funções de presidente do grupo (por indícios de desvio de dinheiro, má conduta e abuso de posição) e foi incluído na inquirição que a polícia de Londres fez a Charles Smith a 17 de Julho de 2007 durante mais de quatro horas.
A transcrição completa do DVD foi o último de dez documentos com que o escocês foi confrontado nesse dia pela polícia em Londres, tendo o actual arguido no processo português reafirmado o que dissera aos advogados.
De acordo com documentos que constam da investigação em Inglaterra, a história do vídeo com Charles Smith começou na verdade um ano antes de ele ter sido filmado em segredo (a 7 de Março de 2006) por um administrador inglês, Alan Perkins.
A viagem ao Mónaco O sócio da Smith&Pedro viajara até ao Mónaco no dia 27 de Janeiro de 2006 para ir ao encontro de Sean Collidge, que ainda não sabia que estava a dois meses de ser afastado do Freeport e que decidira transferir a sede da administração de Londres para Monte Carlo. Na reunião que teve com o presidente do grupo — em que estavam presentes os administradores Alan Perkins e Gary Russell — Charles Smith confrontou Collidge com a investigação aberta em Fevereiro de 2005 em Portugal por suspeitas de corrupção e que o facto de ter havido buscas no Freeport e na Smith&Pedro em Alcochete poderia pôr ambas as empresas numa situação fiscal delicada.
O escocês afirmou estar preocupado com a contabilidade, porque o IVA dos contratos entre as duas empresas não tinha sido pago. Smith queria acertar a facturação e obter os valores do IVA, exigindo o pagamento de centenas de milhares de euros, ao mesmo tempo que reclamava uma série de pagamentos em atraso relativos a prémios de execução ( success fees) pelo cumprimento de várias fases de desenvolvimento do outlet de Alcochete. Collidge considerou que esses pagamentos não faziam qualquer sentido, uma vez que os prazos assentes nos contratos não foram respeitados.
Smith contou aos investigadores que teve uma conversa posterior com Alan Perkins, no mesmo dia, no aeroporto de Nice, em que o administrador teria, alegadamente, sugerido ao escocês que arranjasse uma manobra para obter o dinheiro. O que terá levado à história do DVD, em que Smith fala que entregou um suborno de 150 mil euros, ao longo de dois anos, a um primo de José Sócrates, pago em dinheiro vivo, em parcelas de três a quatro mil euros retiradas das contas da Smith&Pedro.
Segundo a Dechert, os levantamentos de dinheiro referidos no vídeo nunca existiram nem houve nenhuma transacção suspeita nos três milhões de euros pagos pela Freeport à Smith&Pedro ao longo de três contratos e de vários anos. A investigação dos advogados concluiu, por isso, que as alegações contidas no DVD não eram verdadeiras. Conclusões que, ironicamente, podem ser uma boa notícia para o escocês: se por um lado servem de constatação de que foi apanhado a mentir, por outro significam que não participou num acto de corrupção, livrando-o de uma pena de prisão.
Pelo contrário, a TVI noticiou ontem que a polícia inglesa terá provas de levantamentos em dinheiro de Smith para pagar subornos.
O relatório da Dechert, de qualquer modo, considerou que as razões dadas por Smith para ter inventado o enredo sobre Sócrates não eram sólidas e careciam, eventualmente, de esclarecimentos adicionais, daí os advogados recomendarem o envio da informação para a polícia, o que veio a acontecer.
Alan Perkins, que acabaria acusado de usar o DVD como forma de chantagem contra a nova administração do Freeport quando negociou a sua saída no final de 2006, admitiu não estar totalmente convencido de que o conteúdo do DVD fosse falso. Há sobretudo uma pergunta simples que fica no ar e que o Ministério Público e a PJ estão proibidos de fazer, por não poderem abordar nas inquirições uma prova considerada ilegal em Portugal: como é que alguém, sabendo que tinha sido aberta em 2005 uma investigação sobre suspeitas de corrupção envolvendo o nome de Sócrates, inventa, um ano depois, uma história precisamente de corrupção com Sócrates? Gary Russell, um dos administradores do Freeport envolvido no outlet de Alcochete, encontrou uma explicação simples quando também foi ouvido: “É um idiota”. » [Expresso assinantes]
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