Enquanto lia as declarações do procurador Lopes da Mota ao DN de sábado achei por bem cravar as unhas na minha própria carne para ter a certeza de que estava acordado. É certo que alguns jornais pintam um quadro negro das chamadas "pressões", envolvendo o ministro Alberto Costa e supostas ameaças de represálias a quem está a investigar o caso Freeport.
Mas eu cá estou-me nas tintas para o quadro negro quando tenho o próprio Lopes da Mota a admitir ao DN que disse aos dois procuradores que lideram a investigação, e cito: "O que eu sei é que o primeiro-ministro quer isto esclarecido rapidamente." Notem bem. Isto não são palavras de Manuela Moura Guedes. Isto não é uma investigação de Felícia Cabrita. Isto não é um editorial de José Manuel Fernandes. Isto são palavras que o próprio procurador Lopes da Mota disse que disse. Pergunto: como é possível ele manter-se no cargo depois de confessar publicamente que no seu entendimento os desejos do primeiro-ministro devem ser tidos em conta na investigação do Freeport?
Há aqui uma questão sensível que é saber o que chamar a José Sócrates neste caso. Arguido, ele não é. Suspeito, também nos disseram que não. Testemunha, ainda não foi. Envolvido, parece um bocado mal. O melhor é chamar-lhe alguém-vagamente-relacionado-com-o-caso Freeport. Ora, desde quando é que os estados de espírito de alguém-vagamente-relacionado-com qualquer caso com fortes suspeitas de corrupção são matéria de preocupação para os investigadores? Durante os últimos dias eu ouvi falar tanto de pressões que parecia estar a assistir a um infindável boletim meteorológico de Anthímio de Azevedo. Mas há limites para tudo. Ou se cria o conceito de "socratete" para quem continua a garantir que José Sócrates é um anjo que paira imaculado sobre Alcochete e que não deve justificações a ninguém, ou a justiça pára com a tremedeira de pernas e faz finalmente o que tem a fazer. Quer isto dizer que o deve acusar? Não. Quer isto dizer que o deve escutar. Como há muito o teria feito se o alguém-vagamente-relacionado-com-o-caso não se chamasse José Sócrates.
Nota final: Como é do conhecimento público, José Sócrates decidiu processar-me por difamação, devido a um artigo de 3 de Março em cuja primeira frase o seu nome coabitava com o de Cicciolina. Por muito tentadora que possa parecer a ideia de ir a tribunal discutir tangentes entre o primeiro-ministro e a ex-deputada italiana, há que fazer justiça ao engenheiro Sócrates e ao escritório de advogados do dr. Proença de Carvalho e esclarecer que fui processado por muitas frases desse artigo, mas nenhuma delas inclui antigas estrelas de cinema pornográfico. Lamento pôr em causa tanta criatividade textual e visual que saiu em meu auxílio na blogosfera, mas opiniões são opiniões - e factos são factos.
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