8.4.09

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Belisquem-me, que eu devo estar a sonhar

por João Miguel TavaresOntem12 comentários

Enquanto lia as declarações do procurador Lopes da Mota ao DN de sábado achei por bem cravar as unhas na minha própria carne para ter a certeza de que estava acordado. É certo que alguns jornais pintam um quadro negro das chamadas "pressões", envolvendo o ministro Alberto Costa e supostas ameaças de represálias a quem está a investigar o caso Freeport.

Mas eu cá estou-me nas tintas para o quadro negro quando tenho o próprio Lopes da Mota a admitir ao DN que disse aos dois procuradores que lideram a investigação, e cito: "O que eu sei é que o primeiro-ministro quer isto esclarecido rapidamente." Notem bem. Isto não são palavras de Manuela Moura Guedes. Isto não é uma investigação de Felícia Cabrita. Isto não é um editorial de José Manuel Fernandes. Isto são palavras que o próprio procurador Lopes da Mota disse que disse. Pergunto: como é possível ele manter-se no cargo depois de confessar publicamente que no seu entendimento os desejos do primeiro-ministro devem ser tidos em conta na investigação do Freeport?

Há aqui uma questão sensível que é saber o que chamar a José Sócrates neste caso. Arguido, ele não é. Suspeito, também nos disseram que não. Testemunha, ainda não foi. Envolvido, parece um bocado mal. O melhor é chamar-lhe alguém-vagamente-relacionado-com-o-caso Freeport. Ora, desde quando é que os estados de espírito de alguém-vagamente-relacionado-com qualquer caso com fortes suspeitas de corrupção são matéria de preocupação para os investigadores? Durante os últimos dias eu ouvi falar tanto de pressões que parecia estar a assistir a um infindável boletim meteorológico de Anthímio de Azevedo. Mas há limites para tudo. Ou se cria o conceito de "socratete" para quem continua a garantir que José Sócrates é um anjo que paira imaculado sobre Alcochete e que não deve justificações a ninguém, ou a justiça pára com a tremedeira de pernas e faz finalmente o que tem a fazer. Quer isto dizer que o deve acusar? Não. Quer isto dizer que o deve escutar. Como há muito o teria feito se o alguém-vagamente-relacionado-com-o-caso não se chamasse José Sócrates.

Nota final: Como é do conhecimento público, José Sócrates decidiu processar-me por difamação, devido a um artigo de 3 de Março em cuja primeira frase o seu nome coabitava com o de Cicciolina. Por muito tentadora que possa parecer a ideia de ir a tribunal discutir tangentes entre o primeiro-ministro e a ex-deputada italiana, há que fazer justiça ao engenheiro Sócrates e ao escritório de advogados do dr. Proença de Carvalho e esclarecer que fui processado por muitas frases desse artigo, mas nenhuma delas inclui antigas estrelas de cinema pornográfico. Lamento pôr em causa tanta criatividade textual e visual que saiu em meu auxílio na blogosfera, mas opiniões são opiniões - e factos são factos.

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