16.7.11

socretismos

EDITORIAL

O caso Charrua, um crime sem autor

por Ana Sá Lopes

Charrua vai ser indemnizado, mas não se encontrou o culpado dos "danos morais"

O professor Charrua é um símbolo do regime Sócrates - depois do extraordinário caso DREN, as coisas nunca mais foram como "antes" e iniciou-se o período que ficou conhecido como de "claustrofobia democrática". O "antes" era extraordinário - Sócrates tinha o ámen de todo o poder económico, de meio PSD e do próprio Presidente da República, que, naturalmente, exultou com a maioria absoluta socialista por duas razões singelas. Primeiro, gostava, em geral, de maiorias absolutas. Segundo, a vitória de Sócrates permitia-lhe ver afastado do seu PSD o temível Santana Lopes, que estava classificado como "lixo" no rating de Cavaco Silva & amigos. "Má moeda", lembra-se?

Naturalmente, estes acontecimentos que têm pouquíssimos anos parecem vestígios arqueológicos. A adoração quase mútua entre Sócrates e Cavaco (o já Presidente elogiou-lhe o "reformismo" numa famosa entrevista televisiva) perdeu-se algures por uma razão qualquer menor, estilo Estatuto dos Açores ou whatever. Depois vieram o ódio, as escutas, etc., o "há limites para os sacrifícios", e um chorrilho de muitas maldades. Mas como o país é minúsculo e professa a lógica e a racionalidade de um terreiro de candomblé, o aliado de hoje é o inimigo de amanhã e vice-versa. Aparentemente, não há muito a fazer.


Voltemos ao professor Charrua, que desencadeou o princípio do fim do estado de graça de Sócrates. O seu despedimento, por motivo de alegados insultos obscuros, teve ontem um final feliz (para ele -ver notícia). O tribunal obrigou o Estado a pagar a Fernando Charrua 12 mil euros por "danos morais", resultantes do seu despedimento sem fundamento da Direcção Regional de Educação do Norte. Curiosamente, quem o despediu passou incólume e nos intervalos da chuva. Como o tribunal não conseguiu provar que Charrua foi despedido por ter "proferido comentários jocosos sobre Sócrates", ninguém foi condenado - nem a antiga directora da DREN, nem o secretário de Estado, nem o ministro. Fomos nós condenados, caro leitor - o meu e o seu imposto extraordinário, fora os outros, pagarão os danos morais de um despedimento sem causa, evidentemente política, com uma vítima, Fernando Charrua, mas onde não foi possível apurar o criminoso. Crime houve, não se encontrou foi o autor material. Ainda bem que Fernando Charrua vai ser indemnizado por danos morais. O seu despedimento, como estava na cara, foi um acto de saneamento político. O que é imoral é que quem na administração pública tem o poder de viabilizar este tipo de saneamentos políticos não tenha, depois, de pagar a conta dos danos morais.

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