18.3.11

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Sócrates quer diálogo. É tão bom, não foi?

por Ana Sá Lopes
O jogo do PS e do governo nos últimos dias tem um só propósito: evitar que lhe caiam em cima as responsabilidades pela crise política
Quando Sócrates, na entrevista a SIC, disse que se demitia se a maioria do parlamento estivesse contra as medidas de austeridade, muitos dos jornalistas acharam que não se deveria ter escrito que ele se demitia - apesar de Sócrates, himself, o ter dito. Não, não foi nenhuma "fonte em off" ou um dirigente de segundo plano a anunciar a boa ou má nova, consoante a trincheira. 


Sócrates declarou que estaria incapaz de comparecer num Conselho Europeu sem o apoio parlamentar às suas medidas de austeridade. Não disse mais nem menos. Disse que abandonaria o trabalho para que todos lhe pagamos - representar Portugal nas cimeiras europeias é um deles - se as medidas de austeridade que propôs sem dar cavaco a ninguém (nem a Cavaco, nem ao seu partido, etc.) tivessem um voto negro da oposição.

Evidentemente, é isso que vai acontecer. A menos que o dr. Ricardo Salgado torture Passos Coelho com a falta de financiamento para coisas que o PSD precisará a seu tempo ou a senhora Merkel feche o seu companheiro do Partido Popular Europeu (onde ela manda) num campo de reeducação com vista ao suposto sucesso do novo mecanismo monetário europeu, já não há saída para o impasse.

A descida do tom do primeiro- -ministro, ontem, fez muitos acreditaram que afinal não haverá eleições porque Sócrates, o bonzinho, decidiu não humilhar o PSD sujeitando-o à horrível prova de dizer que sim ao pacote de austeridade. Mas é importante juntar as notícias de ontem, e toda a sua linguagem gratuita, com o saber de Medeiros Ferreira, um histórico do socialismo e da democracia que, numa notável entrevista à edição do i de hoje, nos ajuda a desmontar a estratégia de Sócrates: "O que indica a apresentação do pacote de medidas de austeridade é que o governo quer, consciente ou inconscientemente, marcar a data das eleições sem tomar a responsabilidade da abertura da crise política." 

É verdade que, como diz Medeiros Ferreira, "esta atitude não está isenta de racionalidade", uma vez que "o PSD quer fritar o governo em lume brando". E é evidente que sim.

Mas o jogo do PS e do governo nos últimos dias tem um único propósito: evitar a todo o custo que lhe caiam em cima as responsabilidades pela crise política e ganhar votos à custa do avolumar da crise económica que toda esta instabilidade vai provocar. No fundo, no fundo, o que está em causa são os interesses próprios da corporação.

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