13.11.10

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O «eng» prepara-se para privatizar a justiça - para já a parte dela que mais pode beneficiar os bancos, as grandes empresas e congéneres.


Mais uma medida claramente «socialista»



Governo surdo à crítica da Justiça no diploma da arbitragem fiscal

Por João Ramos de Almeida
Diploma aprovado recupera a possibilidade dos grandes contribuintes escolherem árbitros, ao arrepio da opinião judicial
A arbitragem fiscal, aprovada ontem em Conselho de Ministros, repesca aspectos essenciais da versão original do diploma, criticada nas esferas judiciais.

Volta a ser possível aos grandes contribuintes escolher árbitros fora da lista do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) do Ministério da Justiça, desde que paguem igualmente o árbitro escolhido pelo fisco. Uma versão criticada por criar uma justiça para ricos. O Ministério das Finanças não respondeu ao PÚBLICO sobre esse risco. 



A ideia do Governo com este diploma é a de criar um "meio alternativo de resolução" de conflitos tributários e "ao processo de impugnação judicial" de primeira instância. Mas acaba por ser algo inexistente no mundo. 

O projecto de diploma foi encomendado, no início deste ano, a Gonçalo Leite de Campos, da sociedade de advogados Sérvulo & Associados e custou 42 mil euros (35 mil euros sem IVA). O Orçamento do Estado de 2010 integrou já um pedido de autorização legislativo que gerou críticas acesas. Magistrados do Supremo Tribunal Administrativo falaram de "privatização da Justiça em favor de grupos económicos". A direcção do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos disse que o projecto criava uma "justiça para ricos". Mas a ideia recebeu apoios vários. Diversos escritórios de advogados promoveram debates sobre as suas vantagens. 

A escolha de uma firma de advogados para redigir o diploma deveu-se - segundo uma nota do Ministério das Finanças de Outubro passado - à sua "elevada complexidade técnica" e à "necessidade de trazer ao texto experiência da advocacia em matéria de contencioso tributário". 

Em traços gerais, a ideia subjacente é de que o mau funcionamento do fisco e da justiça tributária não têm remédio. O fisco demora a solver reclamações e não cumpre instruções; leva os contribuintes a pagar mesmo quando têm razão. Nos tribunais, os casos avolumam-se durante anos sem decisão. Os pareceres dos peritos são já uma indústria, ao sabor das encomendas dos clientes. 

Mas a má recepção ao diploma adveio do cunho vincadamente "contra" o fisco. O contribuinte obriga-o a um processo de arbitragem, mesmo contra a sua vontade. Permite a intromissão dos árbitros antes mesmo de haver exigência de imposto pelo fisco. Impede a nomeação para árbitros de pessoas ligadas ao fisco até dois anos antes da escolha dos árbitros. E finalmente - e mais importante - criava-se dois tipos de tribunais arbitrais, com dois tipos de árbitros: um tribunal comum para pequenos casos com árbitros do CAAD, e um tribunal especial para grandes contribuintes, grandes empresas, com árbitros escolhidos pelas partes. 



Nas diversas versões, os árbitros terão seis meses para solver o litígio, prazo prorrogável por mais seis meses. Mas não se extingue o recurso para Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Constitucional. 

Só que o diploma aprovado em Conselho de Ministros a 23 de Setembro passado entrou numa fase de consultas junto de instâncias judiciais. Uma versão preliminar acabou com o tribunal especial, com o papel dos grandes peritos e com as taxas máxima e mínima, ligadas ao acesso aos grandes árbitros. Todos eles seriam indicados pelo CAAD, cujo perfil era bem mais estreito do que se pretendia inicialmente. A audição prévia do contribuinte antes da pronúncia do tribunal arbitral transformou-se em alegações finais, o que reduziria a intervenção do contribuinte na fase de elaboração de uma decisão. 

Mas na versão final aprovada ontem recuperou-se diversos aspectos antes criticados. Desconhece-se se foi retomada a audição prévia. Mas, segundo o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, regressa-se às taxas diferenciadas, ainda a fixar. E diferentes tipos de árbitros. 

"As taxas a pagar serão diferenciadas consoante o contribuinte se arrogue ou não na faculdade de escolher um árbitro determinado. Se for o CAAD a designar o árbitro do litígio, a taxa de arbitragem será repartida entre o contribuinte e a administração; mas se o contribuinte escolher ele próprio o árbitro, o contribuinte suportará os custos", disse. 



O diploma final alterou diversos aspectos, frisa uma nota das Finanças, Mas, apesar de pedido, ainda não foi facultado o diploma aprovado.






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