Manuel Alegre não poderia nada sem o apoio do PS. Mas com o apoio do partido do governo está "Lost in Translation". Nada a fazer
O twitter do Presidente da República enviado no primeiro dia do debate do Orçamento, a "ralhar" com os políticos divorciados do país real, é tão bom, tão bom, que podia ter saído de uma cena do "Yes, Minister". O mais profissional dos políticos no activo, doutorado em altíssima estratégia pela universidade do Portugal dos Pequeninos, mantém o rumo tacticista que lhe tem dado excelentes retornos desde os anos dourados de 80, quando reinventou um mito purificador que se revelou impossível de desfazer: o antipolítico que anda por aí metido na causa, ao contrário de uma pretensa escumalha, por "imperativos de ética", "consciência", e um sem-fim de extremas banalidades.
A verdade é que, com a exclusão das impossíveis eleições presidenciais de 1996 - em que se candidatou contra Jorge Sampaio, depois de um profundo desgaste de dez anos como primeiro-ministro -, Aníbal Cavaco Silva tem sido um vencedor. Há ali um pólo de irresistível atracção, um íman para a direita que nunca lhe encontrou substituto à altura - e, céus, bem tentou! Quase todo o centro político e até pedaços da esquerda se têm deixado babar com a perfeição da retórica. Há qualquer coisa de prodigiosamente ficcional no fenómeno Cavaco Silva, mas em sentido inverso: o filme é tão perfeito que se transmuta sem problemas em realidade (e em votos).
Como se não bastasse este contexto poderosíssimo, o mais forte dos candidatos da "alternativa",Manuel Alegre, condenou-se à inexistência, à impossibilidade de existir, ou inclusive ao "medo de existir" de que falou o sobremediático José Gil. É quase penoso assistir aos discursos ou ler as entrevistas do candidato do PS e do Bloco de Esquerda. Alguém conseguiu entender claramente o que pensa Manuel Alegre sobre o Orçamento? Dificilmente. Sabe-se que pensa algo que não aborreça de morte nem o governo nem o Bloco de Esquerda, ao ponto de ter chegado a afirmar--se desinteressado relativamente ao acordo ou não acordo PS/PSD para a viabilização da proposta no parlamento: Alegre está preocupado "com os que sofrem", a única mensagem que pode servir de campanha-bissectriz entre governo e Bloco de Esquerda.
Esta semana o encontro do candidato presidencial com as centrais sindicais revelou-se mais um exercício de autopiedade: ainda que Manuel Alegre tenha subliminarmente recolhido o trunfo do apoio do secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva - o comunista indisciplinado dos nossos dias - produziu um discurso tão confuso, tão confuso, que redundou numa frase que para o candidato da "esquerda grande" com que sonhava Francisco Louçã parece esotérica. Afinal, segundo o próprio, Alegre "não tem que apoiar ou deixar de apoiar" a greve geral.
A conjuntura mudou radicalmente desde que Manuel Alegre também conseguiu, ele próprio, vestir o casaco do porta-voz dos cidadãos nas eleições presidenciais de 2006. De certa maneira, a candidatura rebelde de 2006, contra o candidato oficial do PS Mário Soares, foi uma espécie de mergulho no mito cavaquista antipartidos, onde em vez da profissão "economista" se apôs o estatuto de poeta e militante maldito do partido do governo.
Um mergulho muitíssimo bem sucedido, diga-se de passagem, e uma convocação de descontentamentos de esquerda que o Bloco percebeu logo e relativamente aos quais julgou poder ir buscar dividendos.
Nem contigo nem sem ti. Manuel Alegre não poderia nada sem o apoio do PS - mas com o apoio do partido do governo está pateticamente "Lost in Translation". Nada a fazer.
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