18.5.10

2024


CRISE NAS CONTAS PÚBLICAS

Constâncio contraria governo: há mais funcionários públicos

por Bruno Faria Lopes e Luís Reis Ribeiro

Banco de Portugal diz que governo fez subir o número de funcionários e a despesa em salários. Finanças rejeitam categoricamente essa leitura

A apenas duas semanas da saída do Banco de Portugal (BdP) para o Banco Central Europeu, Vítor Constâncio lança uma bomba sobre uma das reformas mais queridas do governo: a redução do total de funcionários públicos. Segundo o relatório anual de 2009, ontem publicado, nos últimos dois anos (2008 e 2009) não houve redução líquida de trabalhadores na Administração Pública e a despesa com vencimentos continuou a acelerar.

Estas conclusões colidem frontalmente com o que diz o governo. Ao passo que o Orçamento do Estado para este ano diz que o número de funcionários caiu de 708,5 mil em 2007 para 692,3 mil em 2008 e depois para 675 mil em 2009, o banco central admite que em 2008 houve uma "estabilização" nessa dinâmica e que no ano passado até se registou "um ligeiro aumento", algo que "contrasta com as reduções em 2006 e 2007".
Em resposta ao i, as Finanças rejeitam a leitura do BdP, reafirmam a redução "inédita" de funcionários, adiantando que "não comentam outras fontes estatísticas sobre emprego público, por desconhecerem as respectivas bases metodológicas". 
O BdP vai mais longe e afere que "a despesa com vencimentos em 2009 manteve a trajectória de aceleração verificada nos últimos anos, registando um pequeno acréscimo em rácio do PIB tendencial". Segundo o BdP, esse aumento de gastos decorreu do aumento ligeiro no número de trabalhadores e da "actualização da tabela salarial na função pública em 2,9% (2,1% em 2008)". Estas contas divergem das do governo, que reivindica uma descida no valor das despesas com pessoal em 2008 e 2009, bem como uma redução do seu peso no PIB.
Mas o BdP continua o ataque aos argumentos do governo. Diz, por exemplo, que a crise não foi a principal responsável pela explosão do défice no ano passado, para 9,4% do PIB, um recorde. "As medidas de estímulo anunciadas a partir de meados de 2008 tiveram um impacto relativamente pouco significativo nos desenvolvimentos orçamentais de 2009", desmentindo assim a tese do executivo.
Na verdade, observa o regulador, o governo nem sequer implementou totalmente esse leque de medidas anticrise. "No caso português, as medidas centraram-se no investimento público, ajudas às empresas e à exportação e apoio ao emprego e protecção social e, de acordo com as estimativas oficiais, o efeito nas contas públicas deveria ascender a 0,8%. De destacar que, desde meados de 2008, tinham sido adoptadas outras medidas, cujo efeito esperado no défice se cifrava em 0,4%", lê-se no relatório.
No entanto, "não é por demais sublinhar que os problemas orçamentais em Portugal não devem ser vistos em termos de correcção do défice no curto e médio prazo, mas sim como uma questão estrutural decorrente do crescimento excessivo da despesa corrente primária", continua.
Esta acaba por seu uma crítica velada às medidas temporárias, como o aumento de impostos (IVA, IRS e IRC) anunciadas pelo governo e PSD, no sentido de acalmar os mercados e convencê-los de que a descida do défice vai ser significativa neste e no próximo ano. 
Mas Constâncio, que não vê sinais de reformas profundas em curso que invertam as contas públicas, avisa que o PEC, já com a dose de reforço anunciada na semana passada, continua a não responder às causas dos desequilíbrios. As medidas "poderão não conduzir ao crescimento da receita e à contenção da despesa pretendidos, mesmo no caso do cenário macroeconómico se concretizar. Adicionalmente, uma evolução macroeconómica menos favorável tornará ainda mais difícil a prossecução das metas orçamentais definidas".

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