Causas e Consequências
Negociações
Os partidos mostram-se incapazes de contribuir para a mudança que eles tanto reclamam.Enquanto o País se afunda economicamente, o Governo e a Oposição ocupam o melhor dos seus dias a ‘negociar’ o Orçamento. As ‘negociações’, que se inauguraram formalmente esta semana, exigem, como seria de esperar, uma série de encontros e de declarações solenes sobre o futuro da Pátria e a responsabilidade de todos os partidos neste momento agudo da vida nacional. Enquanto o Orçamento não for ‘negociado’, o PS recusa-se a perder tempo com a candidatura presidencial de Manuel Alegre, o PSD, num gesto de consequências imprevisíveis, suspende a sua própria existência, o CDS mergulha em reuniões sectoriais com o ministro das Finanças e os partidos de esquerda especializam-se num conjunto de condições folclóricas que atestam a sua integridade ideológica e a sua inutilidade política.
Curiosamente, à medida que as ‘negociações’ decorrem, marcadas pelos pequenos imbróglios da praxe – Pagamento Especial por Conta, Finanças Regionais e outros que tais – vai-se percebendo o quão pouco há para ‘negociar’. Afastado, por razões óbvias, um pacto para os próximos anos, como chegou a ser proposto pelo PSD, num momento de rara esquizofrenia, sobra apenas a necessidade de viabilizar o Orçamento e a chamada face de cada um dos intervenientes. Daí que esta patriótica ronda, lançada com pompa e circunstância por uma cartinha do dr. Lacão, se traduza singelamente num pequeno jogo de vaidades que não altera nada de essencial.
Ao contrário do que se tem dito, o principal objectivo destas ‘negociações’ não é propriamente viabilizar o Orçamento – que está viabilizado à partida – mas sim proporcionar um palco ao Governo e à Oposição onde estes possam mostrar que são mais firmes, mais responsáveis e mais dialogantes do que o parceiro que lhes caiu em sorte. É esta espécie de campeonato, a que o País assiste com particular indiferença, que justifica, umas vezes, as ‘cedências’ do PSD, as ‘imposições’ do CDS e as ‘ameaças’ do Governo, outras vezes, as ‘imposições’ do PSD, as ‘cedências’ do CDS e os ‘recuos’ do Governo. Esta deprimente encenação, que ameaça prolongar-se no tempo, serve apenas para disfarçar o óbvio: ninguém quer sustentar um Governo que parece ter os dias contados; e ninguém quer precipitar eleições porque ninguém está em condições de as disputar. De onde se conclui – sorumbaticamente – que os partidos, prisioneiros de si próprios, são incapazes de contribuir para a mudança que eles tanto reclamam. As ‘negociações’ do Orçamento são a prova viva do beco sem saída a que chegámos.
Constança Cunha e Sá, Jornalista
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