14.3.09

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O Público traz hoje uma muito boa peça de jornalismo de investigação sobre o processo da construção do aterro da Cova da Beira.
Além do que ali se evidencia (mais) quanto ao carácter do Primeiro Ministro que temos e que nada acrescenta já, uma outra deve ser referida que merece a leitura do trabalho do José António Cerejo:
A análise que faz da forma como o Ministério Público conduz a  investigação, em certos casos.
Vistas as questões que ali são suscitadas, todas elas relevantes, percebe-se o poder que os procuradores têm, e como lhes é possível, quando entendem conveniente, deixar de fazer diligências manifestamente imprescindíveis.
Não se pode, nesta linha, ignorar a jurisprudência  unânime que tem vindo a ser tirada pelos tribunais superiores no sentido que sendo o Ministério Público o detentor da acção penal não é possível, em sede de instrução, obter a realização de outras, por muito que a sua necessidade seja evidente.
Quer isto dizer que neste País só vai a julgamento quem o M. P. quiser, e pelas razões que ele quiser.
É por isso, e por outras razões, que é necessário dar uma pazada nesta seita das becas.
 
Questões que a investigação ignorou ou não esclareceu

Arrastou-se por uma década, mas deixou muitas questões sem explicação. O PÚBLICO sintetiza aquelas que sobressaem em milhares de páginas dos autos. Entre as perplexidades que o inquérito suscita encontra-se o facto de não terem sido ouvidas pessoas com um papel chave no caso e de nunca terem sido feitas escutas

1. Por que é que a investigação demorou 10 anos?
A averiguação preventiva levou dois anos, durante os quais apenas foram recolhidas informalmente algumas informações. Depois disso perderam-se praticamente dois anos entre o fim de 1999 e o início de 2002, período em que as diligências são quase nulas, segundo o que consta no processo. De Outubro de 2000 a Outubro de 2001, os autos estiveram parados no gabinete do procurador encarregado do caso sem que fosse feita uma única diligência. A partir de 2003, as demoras devem-se sobretudo às cartas rogatórias enviadas para o estrangeiro e a reclamações dos arguidos António Morais e Horácio Carvalho para a Relação, após a pronúncia.

2. Por que é que o antigo motorista de Jorge Pombo nunca foi inquirido, apesar de na averiguação preventiva ter relatado informalmente à Polícia Judiciária (PJ) factos relevantes, nomeadamente as idas e vindas de várias pessoas envolvidas no caso e conduzidas por ele ao gabinete de José Sócrates e aos escritórios da HLC e de Morais, todos em Lisboa?
Não há explicação nos autos.

3. Por que é que Augusto Teixeira, o antigo director delegado da Associação de Municípios da Cova da Beira (AMCB), que foi o único a votar contra a intenção de adjudicar o aterro à HLC e que foi presidente da Câmara da Covilhã pelo PS, só foi inquirido formalmente em 2007, já com 85 anos e depois de ser acometido pela doença de Parkinson?
Teixeira fez revelações informais à PJ na averiguação preventiva, mas, nos autos, não se percebe a razão de ser inquirido apenas em 2007. Nessa altura respondeu vagamente a algumas perguntas e disse que não se lembrava de mais nada.

4. Por que é que João José Cristóvão, ex-assessor de Pombo, nunca foi inquirido, apesar de ser amplamente referido no decurso da averiguação preventiva e ser autor de um documento, datado de Março de 1998 e apreendido no gabinete de Horácio de Carvalho, em que diz que vai ter uma reunião com "o Sócrates"?
A PJ e o Ministério Público (MP) propuseram a realização de buscas à sua residência em 2003, mas a juíza de instrução indeferiu-as por "falta de indícios". João José Cristóvão nunca explicou o objectivo da referida reunião.
5. Foi encontrada alguma explicação para o convite feito à empresa de Morais e às duas empresas de Silvino Alves, todas de Lisboa, para assessorar o concurso?
Jorge Pombo e outros ex-dirigentes da AMCB foram inquiridos sobre o assunto, mas nenhum se lembrava de quem teve a ideia. Embora Morais tenha afirmado que não interveio na avaliação das propostas, remetendo esse trabalho para a ex-mulher e para Silvino Alves, o despacho de pronúncia salienta os vários testemunhos recolhidos que confirmam ter sido ele o coordenador, com um papel efectivo, real e determinante. O facto de estar legalmente impedido de o fazer por ser director-geral do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações (GEPI) do Ministério da Administração Interna não é referido.
6. Uma peritagem da PJ concluiu em 2002 que as mudanças de localização do aterro, em 1998, implicaram elevados custos adicionais e beneficiaram sobretudo a HLC. Esses custos foram suportados pela AMCB por decisão do coordenador do projecto escolhido por Sócrates. O assunto foi investigado? 
Não. O perito escreveu que o representante de Sócrates, Teixeira Cardoso, vice-presidente do Instituto dos Resíduos, tinha de explicar se foi por sua iniciativa que empurrou os custos para a AMCB - depois de a HLC ter assumido que eram da sua responsabilidade - ou se o fez "a mando de alguém". Teixeira Cardoso nunca foi ouvido. A PJ considerou que a mudança de local da obra - o caderno de encargos determinava que ela fosse feita em cima da antiga lixeira da Covilhã - subvertia o concurso, por serem completamente diferentes os custos das fundações dos edifícios da central de compostagem, mas Teixeira Cardoso entendeu o contrário, excluindo-se a hipótese de novo concurso.

7. José Sócrates alguma vez foi ouvido no âmbito do processo?
Não. A PJ propôs em Março de 2003 a realização de buscas à residência do então deputado, "com vista à obtenção de documentação bancária que, de entre outras, permita comprovar as suspeitas de pelas suas contas bancárias terem passado dinheiros relacionados com esta obra". O MP indeferiu então o pedido afirmando que, "processualmente, não existem ainda indícios, por ténues que sejam", da participação do ex--secretário de Estado em actos ilícitos. Depois disso, a PJ nunca fez qualquer proposta relativa a Sócrates nem o inquiriu sobre o caso.

8. Foram feitas escutas telefónicas no decurso das investigações?
Não foram e nos autos não há qualquer proposta nesse sentido, nem explicação para que essa proposta não tenha sido feita.

9. Houve pagamentos adiantados à HLC com base em autos de medição de obra falsos?
O perito da PJ considerou que o pagamento de quase 3,5 milhões de euros feito pela AMCB à HLC em 1998, um ano antes de a construção do aterro se iniciar, podia ter por base autos de medição de trabalhos falsos. Parte deles foi assinada por Jorge Pombo e os restantes por Armando Trindade, fiscal da obra e sócio de um dos donos da Conegil, parceira da HLC no consórcio que ganhou o concurso. O assunto, por indicação do perito da Judiciária, teria de ser averiguado mais tarde, mas nunca o foi. 

10. A investigação seguiu a pista das numerosas adjudicações do GEPI, dirigido por Morais, à Conegil e a empresas ligadas a Armando Trindade e Silvino Alves?
Não. O GEPI foi auditado pela Inspecção-Geral da Administração do Território, que lhe apontou, em 2002, numerosas irregularidades na adjudicação de concursos, nomeadamente à Conegil, mas esses factos não foram relacionados com o caso investigado. A própria falência da Conegil, em 2003, com mais de 20 milhões de euros de dívidas a credores - incluindo o GEPI e autarquias -, não foi relacionada com a investigação da Cova da Beira. 





2 comentários:

Anónimo disse...

Só Cova da Beira..deviam ser investigados todos os negócios dos Residuos...Urbanos, Industriais...etc...até LIPOR...

Anónimo disse...

"José Sócrates, secretário de Estado do Ambiente à data dos factos, viu a parte dos autos em que era visado ser arquivada pelo Ministério Público (MP) em 2007, por inexistência de indícios da prática de actos ilícitos."

Público.

Caro Dr. é tão bom estarmos a coberto do anonimato. Não é???

Scarfece