2.8.11

Um estado social para banqueiros

por Ana Sá Lopes
Depois de uma nacionalização absurda, o BPN foi oferecido em salva de prata

Quando o Banco Português de Negócios foi nacionalizado, as nacionalizações tinham voltado a estar na moda - a crise de 2008 fez a liberal Inglaterra estatizar o Northern Rock, a que se seguiram privatizações parciais do Royal Bank of Scotland e do Lloyd''s. Houve ali uns meses em que a esquerda julgou que o bom e velho Estado que fundara a reconciliação da Europa no pós-guerra (construído a meias entre social-democratas e democratas-cristãos) tinha recuperado a popularidade perdida nos últimos anos. Erro colossal.

O agravamento da crise e as decisões dos sucessivos governos europeus apenas contribuíram para que tanto a vox populi como a dominante nos pusessem a olhar para o Estado como uma coisa tão incongruente como uma antiguidade sumptuária num T1, evidentemente dispensável em orçamentos de "austeridade", "rigor", "aperto de cinto", etc.

Curiosamente, o Banco Português de Negócios, um banco não "estratégico", foi alegremente nacionalizado por razões nunca cabalmente explicadas. Sim, havia muitos depósitos de instituições fundamentais do sistema, mas isso não chega para explicar como o mundo político, económico, social e a justiça conviveram tão felizmente com o fenómeno BPN (de quem tantos desconfiavam há tanto tempo) e depois, quando já não havia nada a fazer, o nacionalizaram.

O Estado, então, começou a derramar milhões sobre o Banco Português de Negócios. Quando finalmente decidiu livrar-se dele, ofereceu-o de bandeja, em salva de prata, onde só faltava um embrulho com um laço. Um presente ao BIC, em que até são os contribuintes que vão pagar as indemnizações com os despedimentos que o novo proprietário considera essenciais à reestruturação. 

Pode haver uma justificação: a crise é tão grande, tão grande, que ninguém tem dinheiro para comprar nada a preços decentes de mercado. É capaz de ser uma boa justificação. O problema é que como essa justificação vale tanto para o BPN como para o resto, o governo prepara um programa de privatizações (que consta no acordo da troika e foi subscrito pelos três maiores partidos) que consiste em oferecer bens públicos e receber em troca umas gorjetas de ocasião.

À medida que o Estado social se vai desmoronando - a coisa começou com os PEC de Sócrates -, ficamos com a certeza de que, de facto, há uma economia social que continua a funcionar para (alguns) banqueiros. Já ninguém acreditava na possibilidade de os ricos pagarem a crise, mas exigir que o que sobra dos fundos para a crise não se destine essencialmente aos ricos é um acto de simples moral. Inclusivamente cristã.

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