As contas públicas são uma grande mentira. É a conclusão a que temos de chegar quando, em menos de quinze dias, o mesmo Governo que dizia que estava tudo bem, aplica medidas que muitos diziam ser necessárias.
Não fomos exactamente a Grécia em matéria de aldrabice nas contas públicas mas estivemos muito perto de o ser.
A falta de transparência nas contas do sector público que todos os meses o Ministério das Finanças publica é uma das mais importantes lições do que se passou de Agosto até 29 de Setembro, o dia em que soubemos que faltavam 2.600 milhões de euros nas contas para respeitar o défice de 7,3% do PIB prometido em Bruxelas e acordado com o PSD e mais de cinco mil milhões para se chegar aos 4,6% em 2011.
O Governo não enganou apenas o PSD e o Parlamento. Enganou-nos a todos fazendo-nos crer que o problema estava controlado e desacreditando todos quantos, à medida que iam saindo os números, se iam mostrando preocupados.
A mentira ou omissão, como lhe queiram chamar, sobre a necessidade de novas e mais duras medidas de austeridade não é inconsequente. Muitos dos portugueses que acreditaram que tudo estava bem, como lhes dizia o Governo, tomaram decisões de gastos com o subsídio de férias. Em vez disso poderiam ter poupado para enfrentarem com menos sacrifícios o difícil ano que se aproxima.
A segunda grande lição do que se passou e que vai merecer com certeza análises académicas é a do custo elevado que o eleitoralismo pode ter. E de como actuações de defesa da manutenção do poder têm uma factura elevada para os portugueses.
Vamos começar por esquecer o que se passou em 2009, o ano das eleições em que se fez tudo o que não se devia ter feito. Não por não ter sido grave mas porque o que se passou a seguir ainda foi pior. Olhemos para o que se passou depois de Maio deste ano.
Quando José Sócrates disse em Maio que o mundo tinha mudado, tinha razão. Depois do que se passou na Grécia, Angela Merkel obrigou todos os países do euro a abandonarem as políticas expansionistas que tinha também subscrito no Grupo dos 20.
Nessa altura, o Governo apresentou o conhecido PEC 2 e obteve do PSD o acordo para adoptar uma das mais importantes medidas, o aumento do IVA, obrigando o maior partido da oposição a aceitar uma subida de impostos com o famoso pedido de desculpas.
Um papel muito bem feitinho tinha as contas feitas e tudo parecia estar programado até 2011. Mais eis que depois do Verão tudo muda.
Em duas semanas passámos do "está tudo bem" para o segundo aumento de impostos num ano e um corte de salários. Os submarinos, as receitas não fiscais e os mercados financeiros são os argumentos que ouvimos do governo para o plano de austeridade apresentado. Mas a soma destas parcelas estão muito longe dos perto de oito mil milhões de euros que vão ser arrecadados este ano e no próximo para se respeitar os compromissos assumidos em Bruxelas.
Milhões de euros depois, em juros e descrédito, e após muitas mentiras, erros e omissões desde Maio, José Sócrates diz-nos finalmente que o problema era muitíssimo mais grave do que o detectado em Maio. Ou acreditamos que se enganou nas contas ou temos de admitir que se limitou a fazer a gestão política do problema.
A solução para o problema financeiro do país foi desenhada por José Sócrates definindo como prioridade a manutenção do PS no Governo. Em segundo plano ficou a minimização dos custos do ajustamento a um mais baixo nível de vida dos portugueses. Resolver o problema em Maio teria tido corroído menos os nossos bolsos, mas dava ao PS e a José Sócrates menos garantias de se manter no Governo.
Temos de reconhecer que toda a estratégia política é brilhante. O PSD vai viabilizar um Orçamento e engolir as ameaças que fez e as condições que colocou. Se a economia internacional evoluir como se espera em finais de 2011, quando estivermos a falar do Orçamento de 2012, poderá já haver dinheiro para o habitual bodo aos pobres em caso de eleições.
As medidas eram necessárias mas poderiam ter sido menos duras se adoptadas mais cedo. A factura de governar para eleições quem a paga somos nós.
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