Os amigos
por Ana Sá Lopes
SÓCRATES PEDE que não se façam juízos de valor sobre o carácter dos seus amigos, que ele também não faz sobre os amigos dos outros. A mim nunca me apanharão a fazer juízos sobre qualquer criatura a partir dos amigos que tem, porque tento evitar que me caiam juízos em cima por causa das tretas da Vanessa. Ao pé de mim, que ninguém murmure aquele provérbio assassino, o "diz-me com quem andas dir-te-ei quem és". Eu ando com quem me apetecer e não respondo pelas palermices da outra. Sócrates tem todo o direito de ter os amigos (e os primos, evidentemente) que a vida lhe trouxe. Não nos venham pedir contas morais por causa de uns jantarinhos íntimos. Amigos, amigos, negócios à parte, etc.
Dito isto, até a Vanessa percebe que a amizade é um campo fértil em consequências políticas obscenas. Por exemplo, Mário Crespo gostava tanto dos seus amigos sul-africanos que lhe arranjaram um emprego, que se instalou confortavelmente numa televisão da África do Sul, em pleno apartheid, e nem percebeu bem onde estava. Foi Crespo, o próprio, que contou isto à revista do "Sol" há umas semanas - e não, não foi nenhum inimigo dele que fez a confidência num restaurante. Ora os amigos às vezes cegam-nos, tornam-nos irracionais. Alçada Baptista disse uma vez a um amigo meu que a paixão era uma coisa psicótica. Mas existem amizades que roçam um bocadinho isso, o apego desejoso, mitificado na educação sentimental contemporânea. Para os budistas, esse apego desejoso é uma fonte de trevas. Na política e na justiça devia haver sempre um psiquiatra de serviço.
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