26.1.10

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EDITORIAL

Engenharia política com cara de póquer

por André Macedo



E se Portugal fosse temporariamente excluído do euro? A tese foi defendida por reputados economistas na véspera do Orçamento 2010


O "Financial Times" de ontem trazia um artigo assinado por dois professores, um de Oxford o outro da London School of Economics. Descontando o facto de um deles ser grego e de ambos serem falcões ortodoxos, o artigo em causa fala da crise de finanças públicas que afecta o chamado Club Med - Portugal, Espanha, Grécia e Itália -, mas curiosamente é o exemplo português que serve de balão de ensaio para a tese proposta. 
E que tese! Para evitar o descarrilamento, os dois economistas sugerem que Portugal volte a ter o escudo como "moeda" interna - durante um período de quatro anos - apesar de manter o euro como forma de pagamento internacional. Através deste duplo sistema, que ficaria conhecido como IOU escudo (acrónimo para "I owe you" - eu devo-te), o país conseguiria baixar os custo de produção face ao nível anterior - o IOU escudo valeria menos do que o euro e não seria convertível -, aumentaria a actividade económica e as receitas, recuperando assim a competitividade perdida durante estes confortáveis, mas ilusórios, anos de união monetária.
A ideia é simples: já que não vamos lá pelo aumento da produtividade, voltaríamos à boa e velha desvalorização cambial para recuperar competitividade. Dito de outra maneira, os nossos produtos e serviços custariam menos a produzir e seriam mais fáceis de exportar. Com esta estratégia radical, as contas públicas seriam reequilibradas a prazo e a zona euro seria poupada ao desagradável contágio dos também chamados PIGS, as economias portuguesa, italiana, grega e espanhola. Já se sabe, quando um dos membros sofre de gangrena, o melhor é amputar.
O artigo do "FT" talvez seja apenas uma tese desmiolada, mas revela o que toda a gente sabe: a reputação portuguesa nos mercados internacionais está no limite da decência. A comparação com os gregos é errada, mas só os portugueses a sentem como errada. Por isso, é preciso encarar o problema filosoficamente: portugueses não são gregos, mas há traços comuns - ninguém entende estas duas economias pobres e periféricas.
Perante isto, o que fazer? Este Orçamento seria um primeiro instrumento para mostrar que o país está disposto a sacrificar-se. Acontece que, aparentemente, não será assim. Ontem dizia-se que o défice das contas públicas em 2010 talvez baixe para os 8,3%. Ou seja, quase nada. Se for mesmo assim, há três explicações possíveis: 1. é bluff e o corte a apresentar hoje será mais profundo; 2. Sócrates está a preparar-se para eleições antecipadas em 2011 e não quer apertar a vida a ninguém; 3. no final do ano a redução será maior do que previsto no Orçamento e assim o governo conseguirá um brilharete inesperado, que valerá uma merecida vida extra em tempos difíceis.
Será? Hoje Sócrates só revelará parte das cartas. As outras vai jogá-las com a habitual cara de póquer. Seja como for, já não parecem sobrar-lhe ases no baralho. Ultimamente só lhe têm saído duques.

I

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