29.10.09

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Crimes e castigos

José Sócrates inicia este mandato como primeiro--ministro fragilizado politicamente. Pela primeira vez na democracia portuguesa, um chefe de Governo vê diminuir de forma drástica a sua base eleitoral e parlamentar. Já houve executivos minoritários que se tornaram maioritários. Mas só agora assistimos ao fenómeno inverso. Sócrates acaba de tomar posse, mas já perdeu a pose.

O mandato que agora inicia vai ser um verdadeiro inferno. Com o país a pedir reformas urgentes e sempre adiadas, o Partido Socialista irá apenas preocupar-se com a manutenção do poder. Para este propósito, contará com o auxílio ora do CDS, ora do Bloco de Esquerda. Estes dois partidos vão querer fazer render as suas recentes conquistas eleitorais e consolidar a sua diminuta mas crescente influência no aparelho de estado português. Iremos assistir à negociação parlamentar de muitos diplomas, com discussões de forte carga doutrinária. Mas, em simultâneo, e por baixo do pano, haverá muita negociata, muitas nomeações para lugares de Estado, muito tráfico de favores. Em benefício do Bloco e do PP, mas também do parceiro do bloco central de interesses, o PSD.
No vértice, e como garante deste sistema de governo, está um homem refém dos grandes grupos económicos, aos quais hipotecou o país. Aguenta-se no cargo sem honra nem glória, descredibilizado pessoalmente e diminuído politicamente. Ser primeiro-ministro é o seu crime e o seu castigo.
2. Fragilizados estão também os presidentes de Câmara, na sua maioria. Quase dois terços dos autarcas eleitos iniciam o seu último mandato. Ou seja, a partir do momento em que são empossados, estão já de saída. Começarão progressivamente a perder autoridade nos seus municípios. Dentro de dois anos, já serão ignorados e os poderes clientelares, que foram criando, depressa se rebelarão contra eles. Serão os primeiros a ser sacrificados nas lutas fratricidas pela sua sucessão. Arrastar-se-ão até ao final dos mandatos, a exemplo dos presidentes americanos no seu segundo e último mandato. Estarão muito mais preocupados com o seu próprio futuro do que com o dos seus concelhos. E sabem que, por muitos disparates que cometam, já não terão de se inquietar com as suas consequências.
Desempenhar funções autárquicas é, em grande parte das vezes, um crime. Em fim de carreira, será também um castigo.

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