Uma flor portuguesa no funeral do euro
por Ana Sá Lopes
É um prazer ouvir Durão Barroso falar alto em Bruxelas, até porque quase nunca acontece. É verdade que está entalado entre a verdadeira presidente da Europa - a chanceler alemã, Angela Merkel, assessorada pelo seu ajudante Sarkozy - e o misterioso senhor Rompuy, que para a maioria dos cidadãos da Europa se limita a ser um presidente de sabe- -se lá o quê. Mas enquanto a Europa arde, Durão Barroso - em vez de "glorificar" Portugal, como sonharam todos os patriotas quando o deixaram largar o aborrecidíssimo governo de 2004 - tem-se limitado a cumprir um decorativo papel de flor no funeral no euro e, consequentemente, da União Europeia. Para currículo político a pensar na futura corrida a Belém haveria de certeza melhor.
Porém, ontem foi, de certa forma, um dia histórico. Durão acordou. Antes da cimeira franco-alemã, o presidente da Comissão fez uma declaração de existência a todos os títulos interessante. Se Durão consegue dizer alto e bom som, para toda a imprensa europeia, que a situação é "muito grave", então é porque finalmente está assumido que a situação não é só "muito grave", mas sim de catástrofe iminente. Afinal Durão sabe que é "muito grave" há muito tempo - só não o diz porque não pode, ou não deve, ou não tem qualquer poder, etc.Na véspera, a chanceler Merkel tinha evidenciado o grau de loucura de que está possuída, ao avisar toda a gente de que a cimeira de hoje não iria dar em nada. A incrível declaração sobre a impossibilidade de "avanços espectaculares" na crise do euro e na ajuda à Grécia é um epitáfio.Ontem, o esforço de Durão de sair do papel de flor que lhe coube no enterro em curso, pedindo "a todos os dirigentes" que assumam a "ética da responsabilidade europeia", a exigir uma resposta sobre os termos do novo pacote financeiro para Atenas, afirmando estar a pedir "o mínimo" e a insistir que "o momento exige que sejam tomadas decisões", é um sinal inegável de que o naufrágio está próximo. Se até aqui Durão não tem falado porque não pode, o Presidente da República não tem falado porque não quer. Mas o "mundo" mudou e subitamente o economista-presidente descobriu que havia uma crise europeia e não apenas uma "crise Sócrates". "Espero que tenham soado as campainhas de alerta e que se tomem decisões para pôr fim a uma situação que de alguma forma é de crise", disse Cavaco esta semana, descobrindo a pólvora. Bem-vindo à realidade, professor. A graça é que quando Cavaco chega finalmente à realidade, ela é sempre transposta para o arquétipo cavaquês, o que não deixa de ter um travo de ternura para quem consegue descobrir essa coisa em hábitos enquistados do património colectivo de que Cavaco é um expoente forçoso.Ora leia só este bocadinho, declarado à margem de uma cerimónia no Instituto Gulbenkian da Ciência: "Tenho alguma esperança que os líderes europeus estejam à altura de pessoas como o chanceler Kohl, como Mitterrand, como Delors, como González, e como muitos outros com quem tive oportunidade de conviver durante dez anos." Me, myself and I.
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