27.6.11

A Praça Syntagma é a Praça Tahrir da Europa

por Ana Sá Lopes
Angela Merkel e Nicolas Sarkozy comportam-se perante a Praça Syntagma como Ben Ali e Mubarak nas manifs tunisianas e na Praça Tahrir
Há muitas pessoas que não gostam de Atenas e tenho alguma dificuldade em entendê-las. Eu adorei - e, pior, comovi-me um bocadinho em ruas e becos chamados "Sócrates" e outros nomes iniciais, que vão dar ao Pireu. Se a comoção com uma cidade é uma coisa tão indefinível como outro género de comoções, no caso de Atenas é razoavelmente evidente. Afinal, foi ali que tudo começou, que todos começámos, e não fora o desaparecimento do grego dos currículos, que torna alguma paisagem urbana incompreensível, a sensação confortável de estar num lugar desconhecido "onde pertencemos" seria plena.

A Praça Syntagma fica em frente ao parlamento e perto do centro comercial lá do sítio (a Plaka) e está à beira de se transformar na praça Tahrir da Europa. Enquanto isto, os líderes europeus, transformados em amibas políticas, continuam um processo de negação, resistindo a encarar a cada vez mais previsível realidade de que ali, onde "tudo" começou, vai tudo acabar. Ou, pelo menos, vai acabar o que foi dado como garantido durante os últimos anos em que os "desmandos" do Sul da Europa engordaram também a economia e os bancos alemães - vai acabar esse sonho do pós-guerra, um sonho político, económico e pacifista agora chamado União Europeia. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy comportam-se com a mesma lucidez perante a Praça Syntagma com que Ben Ali e Mubarak enfrentaram as manifestações tunisianas e as da Praça Tahrir, no Cairo. 

E não são apenas Merkel e Sarkozy: uma multidão de porta-vozes europeus fala (a sério) na possibilidade de "salvação" da Grécia com a mais recente injecção de veneno - o pacote de austeridade que, à semelhança do anterior, não vai funcionar. 

E, no meio do caos que será o previsível contágio da situação grega a Portugal, Espanha e até Itália - a última sexta-feira negra foi um exemplo aterrador - um jovem governo em Portugal fica extremamente satisfeito por um Conselho Europeu que não resolveu nada de nada "ter corrido bem a Portugal". 

O que é que correu bem, afinal? Os sorrisos da senhora Merkel? As palmadinhas nas costas de Sarkozy? Nada correu bem a Portugal, não por culpa de Passos Coelho himself, mas porque não pode correr bem enquanto a situação grega não for resolvida. Pode Passos Coelho ser o melhor primeiro-ministro que Portugal teve desde 1974 (!!!!) e mesmo assim quase nada ou muito pouco depende dele. Nada vai correr bem a Portugal se não correr bem à Grécia - e à zona euro no seu todo. 

A ideia de que daqui a muito pouco tempo possamos estar fora do euro, cada vez mais defendida por economistas de variados quadrantes, pode ser uma realidade. Há pessoas que dividem os problemas em dois géneros: os que se resolvem por si e os que não se resolvem de todo. Aparentemente, os dirigentes europeus optaram, face à crise do euro, em acreditar que o problema se resolve por si. Mas provavelmente este é dos que não se resolvem.

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