30.6.11

Contas a fingir
João Cândido da Silva

As contas das administrações públicas apresentaram um saldo negativo no primeiro trimestre de 2011, garante outro documento oficial. Está baralhado? 

Se respondeu "sim", compreende-se. O verdadeiro estado das finanças públicas raramente foi matéria que, em Portugal, conseguisse honrar, sem reservas, a transparência e a seriedade que deviam caracterizar as relações entre o Estado e os cidadãos. Qualquer leitor habitual dos pareceres do Tribunal de Contas acerca das contas públicas terá escassas dúvidas de que muito do dinheiro sugado à economia é gasto sem critério, nem diligência. E, pior, também não ficará surpreendido por haver frequentes menções a despesas que deviam estar devidamente reflectidas mas que se limitam a pairar no éter, na esperança de quem ninguém as detecte. O período final da vida do anterior Governo foi o cenário onde se tentaram construir as mais grosseiras manipulações para iludir eleitores e credores de que a execução orçamental não só estava a correr sobre rodas, como até a brilhante gestão do dinheiro dos contribuintes estava a gerar excedentes. Pura ilusão. A táctica utilizada foi básica e tinha a solidez de um castelo de cartas exposto a uma rajada de vento. Bastava pegar nos relatórios mensais de execução da direcção-geral do Orçamento, ignorar que os valores de receitas, despesas e saldos neles contidos eram um mero exercício de tesouraria que reflectia apenas entradas e saídas de dinheiro e omitiam compromissos assumidos mas não liquidados. Depois, os números eram arremessados para a opinião pública como uma prova de sucesso no controlo do monstro, papel que, pela sua natureza, os documentos em causa nunca poderiam representar. Foi assim que o Governo anterior foi saltitando de mentira em mentira, acabando por anunciar, sem pingo de vergonha e provavelmente sem vestígios de remorso, que o saldo das administrações públicas durante os primeiros três meses de 2011 tinha sido positivo em quase 500 milhões de euros. O vistoso desempenho, conforme logo se apressaram a garantir os porta-vozes para todo o serviço, era um resultado "importante" e "positivo". Se ainda tiver sobrado alguma garganta a esses portadores das boas novas, depois de a terem usado para actos de propaganda de qualidade rasteira, poderão agora utilizá-la para engolirem os elogios que teceram a uma gestão do Orçamento do Estado que revela dados importantes mas que de positivo tem pouco oferecer. As dúvidas que persistissem ficaram esclarecidas ontem. A verdade sobre as contas públicas do primeiro trimestre deste ano, de acordo com os cálculos do Instituto Nacional de Estatística, confirma que onde estava escrito superavit encontra-se, afinal, um défice. E bem gordo. São perto de 3.200 milhões de euros de saldo negativo, equivalentes a 7,7% do produto interno bruto, valor que está longe da meta orçamental de 5,9% que Portugal tem de cumprir este ano. As conclusões são evidentes. A situação orçamental vai exigir medidas de correcção adicionais se o actual Governo quiser evitar a continuação de uma derrapagem fatal. É o que Pedro Passos Coelho deverá fazer hoje, quando anunciar mais uma dose de austeridade indigesta. Depois, ficou mais nítido o retrato da irresponsabilidade delirante do Governo de José Sócrates. Fez muito pouco para dominar as contas públicas mas fez muito para fingir que as controlava. Pior, teria sido difícil.


Jornal de Negócios

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