7.2.11

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EDITORIAL

O laboratório explosivo do dr. Passos Coelho

por Ana Sá Lopes
Passos Coelho, mesmo sem querer, tem contribuído para disfarçar a agressividade das políticas sociais do governo Sócrates
Calhou ao socialista José Sócrates o papel de liderar o governo mais à direita dos últimos anos. Por razões variadas, e nem todas dependentes da sua própria vontade, o PS de Sócrates é o responsável pelos cortes de salários dos funcionários públicos e dos reformados e pelo mais violento ataque ao Estado social dos últimos anos, expresso na diminuição de apoio público, em momento de grave crise económica, aos mais desarmados dos cidadãos: os desempregados, reduzindo o direito ao subsídio de desemprego e cortando o subsídio social de inserção, vulgo rendimento mínimo garantido. O Orçamento necessário para contentar Bruxelas e evitar a aterragem do FMI foi feito com as soluções do próprio FMI: cortar salários e subsídios e o Estado social. 
Como se não chegasse, a nova agenda para facilitar os despedimentos e a futura comunhão com Angela Merkel para a governação económica europeia podem colocar o PS de Sócrates (e o seu congénere espanhol) na lista de partidos do centro-direita - por muito que as medidas tenham sido arrancadas à força por Bruxelas, enquanto o PS deitava o programa eleitoral ao lixo.
Mas não deixa de ser um delírio que o primeiro-ministro que aprovou o orçamento mais socialmente agressivo dos últimos anos e que se está a preparar para facilitar os despedimentos muito em breve, apareça como o grande paladino do Estado social. Mas se isto consegue acontecer no Portugal de 2011 é porque Pedro Passos Coelho, o líder da oposição, tem aberto, sempre que pode, o espaço à exploração, por parte do governo, do tema "social". O laboratório de ideias liberais de Passos Coelho começou com a intenção de privatizar a Caixa Geral de Depósitos, ideia entretanto abandonada, e desembocou no Verão, na proposta de revisão constitucional, com a já famosa intenção de não proteger constitucionalmente o despedimento sem justa causa. Esta semana, um discurso sobre empresas públicas sem propostas concretas - mas com a vaga ameaça de fechar algumas - e o lançamento da ideia de aumentar o passe social "para os que podem pagar" deu o mote a mais um contra-ataque de Sócrates e cúpula socialista sobre o ataque do PSD ao Estado social. Os esforços de ontem de Miguel Macedo, o líder parlamentar do PSD, e do vice-presidente Marco António Costa para retirar a agenda liberal de cena foram notáveis, mas o "mal" estava feito - um sábado inteirinho com Sócrates ao ataque.
O laboratório de ideias de Passos Coelho tem-se revelado explosivo - de cada vez que o PSD está no cimo das sondagens, uma nova proposta liberal arrasta-o para a descida, para júbilo do governo.
Tony Judt achava que "em lado algum na Europa existe um eleitorado a favor da abolição dos serviços de saúde públicos, do ensino gratuito ou subsidiado ou da diminuição da prestação pública dos transportes e outros serviços essenciais". Passos Coelho, mesmo sem querer, tem contribuído esforçadamente para disfarçar a agressividade das políticas sociais de Sócrates.

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