30.10.10

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Face Oculta. Financiamento do Partido Socialista sob suspeita

Guerra à volta da Refer fez mexer a máquina socialista. Nome de Jorge Coelho usado por Lopes Barreira. Godinho terá feito donativos ao PS

Não são só as acusações formais que contam. No despacho final do processo Face Oculta, sobram indícios de pressões que tocam várias pessoas da máquina socialista. A troco de alegados favores a Manuel Godinho, surgem em vários momentos referências a donativos para o PS e, a três meses das eleições legislativas de 2009, há uma "disponibilidade para contribuir para uma campanha partidária". Terão efectivamente sido dadas verbas pelas empresas do universo de Godinho ao Partido Socialista?
A resposta não é dada na acusação. O i questionou se foi autonomizada alguma investigação sobre esta matéria, mas o Ministério Público responde com meias palavras: "Foi determinada a extracção de várias certidões que darão origem à eventual instauração de inquéritos." Quanto às matérias em concreto, remete para a consulta do processo, que ainda não foi aberto aos jornalistas.
Armando Vara é acusado de abrir portas e fez vários contactos com Mário Lino para resolver o diferendo de Manuel Godinho com a Refer. Lopes Barreira, que quando Vara era secretário de Estado foi um dos fundadores da polémica Fundação para a Prevenção e Segurança, apresenta o empresário de Ovar a altos quadros, marca almoços com a secretária de Estado Ana Paula Vitorino para interceder contra o presidente da Refer, Luís Pardal, e terá prometido pedir ajuda a Jorge Coelho para conseguir negócios na área dos resíduos. Mário Lino terá ordenado expressamente a Luís Pardal que se reunisse com Godinho. E também o advogado José Manuel Mesquita, 11º na lista de António Costa para a Câmara de Lisboa e seu assessor jurídico, surge mencionado em encontros sobre a guerra na Refer.
Na acusação proferida esta semana, surgem igualmente alusões que deixam dúvidas sobre o conhecimento que José Sócrates teria das movimentações. Segundo o Ministério Público, o presidente da Refer não era amado por Mário Lino nem pelo primeiro-ministro. Luís Pardal é descrito pelo Ministério Público de Aveiro como alguém que pugnou pelos interesses daquela empresa pública contra as sucessivas investidas do sucateiro de Ovar. Godinho queria reconquistar a relação empresarial privilegiada com a empresa pública, perdida no âmbito de um diferendo judicial, e Pardal era o entrave. O presidente da Refer foi coleccionando anticorpos dentro na própria empresa e em especial no governo.
Numa conversa em 2009, José Valentim, da Refer, diz a Godinho que Pardal tinha um mau relacionamento com Sócrates, por alegadamente o presidente do conselho de administração daquela empresa pública não ter acatado uma ordem do primeiro-ministro. Noutra ocasião, Lopes Barreira refere-se a Luís Pardal como sendo "um estorvo" e alude ao conhecimento que Vara, Mário Lino e Sócrates tinham do assunto.
Nos bastidores Os quadros da Refer afectos ao PS moviam-se pela destituição do seu presidente. Apenas Ana Paula Vitorino, secretária de Estado dos Transportes e Obras Públicas de então, protegia Pardal. Lopes Barreira chegou a almoçar várias vezes com Ana Paula Vitorino para a convencer da necessidade da demissão. Mas percebeu que para demitir Pardal era necessário tirar a secretária de Estado da tutela.
Um dos episódios mais expressivos da contestação ao homem do "feitio lixado" - como o MP diz que Pardal é descrito pelos seus inimigos - foi a reunião entre o núcleo de trabalhadores socialistas da Refer e Ana Paula Vitorino. A 14 de Maio de 2009, José Valentim diz a Manuel Godinho que os funcionários expressaram à secretária de Estado o seu descontentamento com a conduta de Pardal e exigiram medidas. Ana Paula Vitorino foi a única que impediu, segundo o MP, a demissão do presidente da Refer.
Lopes Barreira sabia-o e em Junho de 2009, num almoço com Vara e Godinho, na casa deste no Furadouro, em Ovar, admite-se surpreendido com a continuação da socialista na secretaria de Estado. Após a entrega de 25 mil euros a cada um deles, Godinho ouviu Barreira estranhar a manutenção em funções de Ana Paula Vitorino, já que Sócrates criticava o seu comportamento e a secretária de Estado criticava, por sua vez, o ministro dos Transportes e Obras Públicas.
Mário Lino é diversas vezes apontado a ajudar Manuel Godinho. Em Julho de 2009, já depois de publicado o acórdão que revogada a condenação da O2 no caso "Carril Dourado", terá contactado Luís Pardal, dizendo-lhe ter conhecimento que a Refer continuava a prejudicar a empresa de Ovar. É então que lhe ordena, segundo o MP, que se reúna com Godinho, encontro que acabaria por se realizar a 18 de Agosto.
Para suportar as acusações, a equipa do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Aveiro aponta uma extensa lista de escutas telefónicas, material informático apreendido aos arguidos e documentação diversa, incluindo extractos bancários e processos relacionados com concursos públicos. Mário Lino, Ana Paula Vitorino e Luís Pardal estão entre as testemunhas indicadas no processo.


Ionline

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