Tivessem as negociações entre governo e PSD acabado em "bem" e o tom do anúncio da recandidatura do professor Cavaco Silva não pareceria tão a despropósito, tão descolado da realidade, tão desatinado - nomeadamente para os seus interesses pessoais enquanto candidato a segundo mandato no Palácio de Belém.
O professor Cavaco admite - e como não? - que "Portugal se encontra numa situação difícil". Pior, evidentemente, que há cinco anos, quando comprometeu na campanha presidencial a sua reputação de economista para combater "a situação difícil" que já estava instalada em 2006. Mas o Presidente da República pede-nos que acreditemos que o caos em que vivemos sem ele teria sido pior. Mas porque diabo decide o professor Cavaco convencer-nos das magnificências do seu contributo para o estado crítico do país? Um mistério que ficará para os anais da estratégia política.
Para o professor Cavaco, "há uma interrogação que cada um, com honestidade, deve fazer: em que situação se encontraria o país sem a acção intensa e ponderada, muitas vezes discreta, que desenvolvi ao longo do meu mandato?". Segunda pergunta: "O que teria acontecido sem os alertas e apelos que lancei na devida altura, sem os compromissos que estimulei, sem os caminhos de futuro que apontei, sem a defesa dos interesses nacionais que tenho incansavelmente promovido junto de entidades estrangeiras?"
Ora o prof. Cavaco não tem dúvidas de que a sua "magistratura de influência produziu resultados positivos" e o único problema foi que "podia ter sido mais bem aproveitada pelos diferentes poderes do Estado" - leia-se governo, uma vez que não há outro "poder do Estado" que esteja em posição de "o aproveitar" com a devida proporção.
É evidente que o maior risco da campanha de Cavaco Silva seria a (injusta) co-responsabilização do Presidente da República pela crise económica. Os poderes presidenciais não permitem a nenhum Presidente da República qualquer espécie de influência sobre os rumos da economia e dos Orçamentos. As responsabilidades do professor Cavaco sobre a actual crise podemos ir descobri-las nos três governos em que foi primeiro-ministro - e não nos últimos anos, em que os seus poderes de "árbitro" e "magistrado de influência" não servem para muito mais do que lançar vagas e crípticas mensagens à nação.
De resto, o Presidente Cavaco Silva não lançou tantos "alertas" e "apelos" quanto isso: até muitas personalidades da direita acreditam que o Presidente, nos seus "alertas", podia ter ido mais longe: ainda que não tenha armas concretas (à excepção da dissolução da Assembleia da República), um Presidente tem a possibilidade de pressionar o governo com instrumentos como mensagens à Assembleia da República ou reuniões do Conselho de Estado para discutir a crise económica. Nem uma coisa nem outra aconteceram. No meio da ruptura à volta do Orçamento do Estado e de uma trágica crise económico-financeira, o professor Cavaco a tentar convencer-nos de que sem ele seria o caos não deixa de ser uma estranha forma de arrancar uma campanha.
Já sabíamos que Manuel Alegre tinha ficado sem discurso: a amálgama entre o apoio ao governo e a acomodação do Bloco - nomeadamente a propósito do Orçamento - redunda em zero. Mas com um Orçamento chumbado haverá outro candidato cujo discurso se volatilizará: Cavaco Silva, aquele cujos "alertas" e "apelos" não servem para nada numa situação de emergência nacional.
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