Cândida Almeida nunca pediu ao ME o dossier de Sócrates na UnI
Por José António Cerejo
Ao contrário do que o DCIAP informou na segunda-feira, o dossier do aluno investigado não era formado por "documentos oficiais".
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) garantiu segunda-feira - em resposta a perguntas dirigidas pelo PÚBLICO à sua directora, Cândida Almeida - que o inquérito à licenciatura de José Sócrates se tinha baseado em "documentos oficiais", não esclarecendo se eram originais ou fotocópias. Afinal, o dossier do aluno Sócrates investigado em 2007 não contém quaisquer "documentos oficiais" enviados pela Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES), como alega o DCIAP, mas apenas fotocópias avulsas, apreendidas pela PJ na Universidade Independente (UnI).
Questionada sobre o facto de ter investigado uma alegada falsificação de documentos com base em fotocópias - situação em abstracto que o juiz desembargador Rui Rangel disse anteontem ao PÚBLICO ser "um procedimento anormal e estranho" - a direcção do DCIAP respondeu nos seguintes termos: "Durante a fase de investigação, o DCIAP solicitou à entidade competente, a DGES, a remessa, a título devolutivo, do dossier da UnI relativo ao licenciado José Sócrates, tendo sido enviados ao DCIAP os documentos que aquela universidade havia remetido àquela entidade nos termos da lei após o encerramento da Universidade. Foram esses documentos oficiais, remetidos por aquela direcção-geral, que foram tidos em conta na investigação que correu termos no DCIAP".
Logo na edição de anteontem o PÚBLICO referiu a aparente impossibilidade de as coisas se terem passado assim, já que a DGES só entrou na posse dos arquivos da UnI, por decisão governamental, em 2008, mais de seis meses depois de Cândida Almeida ter mandado arquivar o inquérito por entender que o antigo primeiro-ministro não tinha sido favorecido na UnI, nem havia qualquer falsificação no caso. Além disso, conforme o PÚBLICO revelou em Novembro, os originais do dossier de Sócrates estão na posse de Rui Verde, antigo vice-reitor da UnI, e na DGES só se encontram, desde Abril de 2008, as fotocópias apreendidas pela PJ na UnI. Juntamente com elas estão os dossiers de outros oito alunos, todos eles constituídos por peças originais, formando o conjunto o Apenso 4, do qual ficou uma cópia certificada nos autos do inquérito do DCIAP.
Solicitada anteontem a esclarecer as dúvidas suscitadas pela anterior resposta do DCIAP, Cândida Almeida nada disse, o mesmo fazendo relativamente a novas perguntas que ontem lhe foram enviadas.
Os autos do inquérito que dirigiu, arquivados no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (TIC), ontem novamente consultados pelo PÚBLICO, esclarecem, porém, aquilo que a procuradora-geral adjunta não quis esclarecer. Isto é: nunca o DCIAP pediu à DGES que lhe remetesse "a título devolutivo" o dossier de Sócrates. E os únicos documentos enviados por esse departamento do Ministério da Educação (ME) são aqueles que Cândida Almeida lhe pediu em Maio de 2007: "Uma certidão de toda a documentação relativa à criação, instalação, licenciamento e desenvolvimento de actividades da UnI no período compreendido entre os anos de 1993 e 1998".
Provam também os autos, e até o despacho de arquivamento, que nas dezenas de ocasiões em que, durante as inquirições, Cândida Almeida confrontou os responsáveis da UnI com documentos do processo individual de Sócrates, o fez com as fotocópias do Apenso 4 e nunca com o dossier de "documentos oficiais" alegadamente remetido pela DGES.
Mas os três volumes e os 12 apensos do processo evidenciam outros dados importantes. Um deles é o facto de o DIAP de Lisboa ter enviado ao DCIAP mais uma cópia do dossier de Sócrates, apreendida no decurso da investigação do processo de fraudes e burlas praticadas na UnI, que está actualmente a ser julgado em Monsanto e que tem Rui Verde entre os arguidos. Nesse dossier, a fotocópia da pauta de Inglês Técnico corresponde aos originais que estão com Rui Verde, não tendo qualquer assinatura. Já no Apenso 4, a cópia que lá está tem a pauta assinada a tinta pelo reitor Luis Arouca, por cima da fotocópia. Foi esta cópia assinada a posteriori que foi distribuída por Arouca e por Sócrates aos jornalistas em 2007. No relato de 10 páginas da inquirição feita por Cândida Almeida a Luis Arouca fala-se longamente da maneira como este leccionou o Inglês Técnico a Sócrates. A existência de uma pauta assinada a posteriori e o facto de haver nos autos duas pautas diferentes, uma com assinatura e outra sem ela, não são, todavia, objecto de qualquer pergunta. Nem nos autos a questão alguma vez é problematizada. O paradeiro dos originais também não.
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