Democracia ou Europa: agora escolha
Por Ana Sá Lopes
Papandreou, fragilizadíssimo no parlamento, estava num beco sem saída
Esta ideia grega de referendar o novo pacote de austeridade é uma loucura – mercados ao fundo, dirigentes europeus com os nervos em franja, Estados Unidos em pânico com o futuro da moeda única. Mas, neste momento ou noutro, há 10, 15 anos ou hoje, um referendo em qualquer país europeu sobre a CEE ou a União seria sempre uma loucura. Há aqui uma pequena contradiçãozinha, não há? A Europa das democracias entra em estado de estupor quando se fala em dar a voz aos cidadãos. É nesta contradição insanável que reside o problema principal europeu: se for dada a voz aos cidadãos gregos e aos alemães, aos finlandeses ou aos franceses e italianos, todos eles rebentarão com a Europa ou, pelo menos, com a espécie de federação que neste momento existe.
O que nos diz toda a história é que a construção europeia sempre foi alérgica à democracia de base. Por razões bondosas: os dirigentes de todos os países, eleitos democraticamente, acreditavam com fervor patriótico que estavam a fazer o “bem” ao impedirem o povo a pronunciar-se sobre os avanços, incluindo alguns avanços de leão como a criação do euro. Foi uma espécie de “despotismo iluminado” que geriu durante décadas a Europa – e a iluminação dos grandes líderes do passado foi durante muito tempo suficiente para erguer o edifício sem grandes abalos de terra.
As lâmpadas vermelhas começaram a acender-se quando a França e a Holanda decidiram referendar a famosa Constituição europeia e apanharam com um venerável chumbo. Por razões internas, sim. Mas porque os franceses e os holandeses estavam-se nas tintas para a Europa, como de resto quase todos os cidadãos dos outros países, que se aborrecem de morte com as eleições para o Parlamento Europeu, de cuja existência não querem saber e sobre os seus representantes em Estrasburgo apenas registam que “ganham muito” e, eventualmente, “fazem pouco”.
A retirada de soberania progressiva aos governos nacionais tornou as eleições legislativas cada vez mais um exercício meramente simbólico. Os governos fazem o que “a Europa” manda – estando a Europa reduzida a Angela Merkel, porque Sarkozy já não conta muito, não é preciso ser muito dramático para concluir que os países europeus vivem sob domínio alemão.
A escalada do domínio alemão foi a cimeira da semana passada, que decidiu que a Grécia devia passar ao estado de ocupação efectiva – depois de o já estar na prática, ao asfixiar o país por um pacote de austeridade inominável. A decisão de obrigar Papandreou a governar o país em conjunto com os oficiais de Bruxelas não eleitos a obedecerem às ordens de Angela Merkel é um símbolo de ocupação (num país que, recorde-se esteve sob ocupação nazi).
Papandreou, fragilizadíssimo entre o povo e no parlamento, estava num beco sem saída. E falta explicar a demissão ontem em bloco das chefias militares. O que soube Papandreou que os generais ontem afastados estavam a preparar? Não é bom brincar aos referendos, mas a Europa está há tempo excessivo a brincar à União das democracias.
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